quarta-feira, 12 de junho de 2013

Vencer o mal com o bem

 

Por: Maria Clara Lucchetti Bingemer

Com tanta violência e tanto sofrimento pelo mundo afora, é quase de estranhar que a Paz tenha um dia mundial, um dia que seja só dela, só para refletir, pensar e traçar linhas de ação sobre ela.  A beleza maior é que este é o primeiro dia do ano novo que começa.  A cada ano, no dia 1 de janeiro, a humanidade relembra que a paz na verdade é seu mais profundo desejo.  E celebra o Dia Mundial da Paz.

Neste 1 de janeiro que acaba de passar, creio que tínhamos todos especiais motivos para pensar, refletir e fazer planos e tomar resoluções, como é o hábito maior do Ano Novo. Foi tanta tragédia, tanto sofrimento, de um lado e outro do mundo como há muito tempo não se via.  Vidas ceifadas, orfandade, desespero - de tudo se viu nos MCS e nos noticiários.  Tsunamis na Ásia, explosões em boates e casas noturnas na Argentina, a usual mas nunca menos ameaçadora violência urbana, a guerra no Iraque que continua.  Tantos fatores intranqüilizadores no encerramento do ano que passou que nos deram a impressão que nunca mais sairíamos dele.

A mensagem do Papa - que pode ser assumida ao mesmo tempo por todas as religiões e todos os homens de boa vontade -  volta a bater na única  tecla capaz de fazer uma diferença na luta pela construção da paz: vencer o mal com o bem.  O ideal parece tão alto que soa impossível de cumprir: Vencer o mal com o bem. Que
significa isto?  Que diante do mal feito aos meus semelhantes, que diante mesmo do mal feito a mim não posso acrescentar mais mal, mais agressão, mais violência.  Não posso vingar-me sob pena de fazer crescer essa mortal espiral que parece que nunca se acabará.  No dia mundial da Paz, o tema escolhido pela Igreja se dirige não só aos fiéis católicos, mas a toda a humanidade: a  proposta do caminho da não violência, da mansidão e da reconciliação  como única via para que a verdadeira paz aconteça. Ao fundo, estão as palavras do iluminado e apaixonado Paulo de Tarso: "Não te deixes vencer pelo mal.  Vence antes o mal com o bem".  A antitética proposta do grande místico e apóstolo que foi Paulo de Tarso, anunciando o evangelho de Jesus, ressoou nos albores do Cristianismo e da nossa era  e ressoa novamente agora nos albores do ano de 2005: para quebrar o círculo vicioso e pernicioso do mal e da violência, não são úteis ou eficazes refinadas estratégias ou armas mais potentes que o outro para poder liquidá-lo.  Só uma coisa vence o mal: a prática do bem.  Só há uma atitude capaz de quebrar a espiral diabólica da violência e do mal: o amor e o bem praticados em favor de todos.  E todos os que ouvem esta palavra e a põem em prática são chamados a fazê-lo com radicalidade.

A prática do bem capaz de fazer brotar a paz como fruto maduro de uma justiça que supera os parâmetros da justiça humana é na verdade uma atitude ética que inclui até mesmo  o inimigo.  Em palavras do mesmo Paulo:  « Se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe de beber » (Rm 12,20).  Dizendo isto, Paulo segue à risca o ensinamento do Sermão da Montanha, Carta Magna do Reino de Deus promulgada e proclamada por Jesus, propondo, além de uma atitude passiva e não vingativa ou agressiva,  uma conduta ativa: mais além de tudo suportar sem imitar ou revidar violentamente as ofensas recebidas, é preciso ainda amar ativa e dinamicamente todo ser humano, inclusive aquele do qual o mal provém e por quem é praticado.

O princípio  é passar além do amor ao próximo que, segundo a Lei que vigorava em sua época, conserva um sentido restritivo (como a si mesmo).  E a menção do inimigo faz a frase ainda mais forte e contundente: "Amai os vossos inimigos". Porém, de que tipo de amor se trata? Certamente  que não tem nada de uma ternura espontânea, feita de afinidade, a qual seria aliás impossível num caso desses. Pois a proposta  do caminho para a paz significa mais do que uma arte de viver neste mundo, mas se trata de  uma obrigação positiva, um ministério do amor universal.  Neste sentido, vai muito além do próprio dever do perdão: apesar de incluí-lo, a exigência  de amar os inimigos e vencer o mal com o bem  vai mais longe rejeitando o que ainda possa subsistir de condescendência mesmo no perdão.Trata-se simplesmente de amar, sem  jogadas estratégicas de manutenção da paz nas fronteiras do mundo ou da  Igreja nem de propaganda para conversão ou proselitismo de qualquer espécie. Para conseguir o bem da paz é necessário afirmar, com consciente lucidez, que a violência é um mal inaceitável e que nunca resolve os problemas e as angústias humanas. A violência é uma mentira, porque se opõe  à verdade da nossa humanidade.Não fomos feitos para a morte que a violência engenda, mas sim para a vida que vence a morte.  Na verdade, a  violência destrói o que ambiciona defender: a dignidade, a vida e a liberdade dos seres humanos . Portanto, nunca é um caminho válido nem justo, pois semeia destruição e morte por onde passa.  Com sua sabedoria que ultrapassava a todas, Jesus de Nazaré pronunciou as luminosas palavras que há vinte séculos inspiram gerações de homens e mulheres que vão construindo a paz por onde passam.

Na sua esteira, Paulo de Tarso escreveu aos cristãos de Roma, que se debatiam com o sofrimento da perseguição e da violência: "Vencei o mal com o bem"  E depois de Paulo, muitos outros, cristãos ou não,  marcaram a história da humanidade praticando esse princípio de diferentes maneiras, invocando ou não para isto o nome de Jesus Cristo.  Referimo-nos ao Mahatma Gandhi, a Martin Luther King ,  Nelson Mandela,  Edith Stein, Dorothy Day e  tantos outros e outras.
Sua maneira de viver, de amar, de sofrer, de morrer, de agir nos prova que vencer o mal com o bem é o verdadeiro caminho para a paz.  E mais: prova que, se é um caminho difícil, não é impossível nem desumano ou desumanizante. Não se dirige a anjos, mas a homens e mulheres de carne e osso, com sentimentos e desejos muito concretos.  O convite a vencer .  o mal com o bem neste início de ano, tem endereço certo: nós mesmos, todos e cada um de nós.


13/09/05

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