CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRUSQUE -
UNIFEBE
CURSO DE FILOSOFIA
II FASE – I SEMESTRE / 2004
Prof. Dr.
Nivaldo Alves de Souza
INTRODUÇÃO:
SIGNIFICAÇÃO DA IDADE
MÉDIA
- Ela
não só copiou os códices antigos, mas assegurou, em suas escolas, a
continuidade da problemática filosófica.
- Não
se pode ler os filósofos modernos sem conhecer os conceitos e os problemas
medievais.
- O
rigor lógico do pensamento e o caráter objetivo do conceito de ciência.
- O
patrimônio da filosofia medieval está presente, hoje, na assim chamada
“filosofia medieval”.
- Os
principais temas da Filosofia medieval: criação,
razão e universais.
1.0
CARACTERÍSTICAS
FILOSÓFICAS DO CRISTIANISMO
1.1 PERÍODO
CRISTÃO DA FILOSOFIA GREGA
1.2 O CRISTIANISMO E FILOSOFIA
O
Cristianismo realiza uma divisão profunda na história da filosofia. Jesus
Cristo não se apresenta como o fundador de escola a exemplo de Platão e
Aristóteles. Veio não para ensinar uma filosofia, mas a “Verdade do pai”. A
mensagem cristã atinge o ser profundo do homem. As verdade fundamentais de
caráter filosófico são análogas (semelhantes) às das religiões. Isto é, na
mensagem cristã estão presentes algumas verdades que passamos a considerar:
1. Crença
num Deus pessoal, distinto do mundo (concepção medieval do teísmo).
2. Noção
de criação a partir do nada (verdadeira concepção do cristianismo).
3. Espiritualidade
e imortalidade da alma.
4. Ética,
entendida como liberdade humana perante a ordem estabelecida por Deus.
5. A
conversão se dá num dinamismo moral.
6. A
vida eterna como um retorno à casa do Pai.
A
filosofia cristã vem a ser um momento de encontro entre a filosofia grega e a
Verdade Revelada. Os dois grandes momentos da Filosofia Medieval, no seu todo,
são:
1 PATRÍSTICA: Está situada entre os séculos III e
VIII. É o momento da filosofia platônica.
É neste tempo
que acontece a construção da Teologia
Católica.
2
ESCOLÁSTICA: Vai do século IX até
o século XV. É o momento da filosofia aristotélica. É neste
momento que se dá a criação propriamente dita do que chamamos “filosofia cristã”.
Na
escolástica se manifesta a filosofia que procura a compreensão racional das
verdades reveladas. “Ïntellige ut credas, crede ut intelligas” (crê para que
entendas, entenda para que creias)
A perspectiva da filosofia não é mais
a procura da verdade (já a possuem), mas sim explicá-la. É o tempo da:
“intellectus fidei” (trata racionalmente seu objeto, parte da fé, procura
inteligir a fé).
Os
primeiros escritos foram as cartas de São Paulo, escritas num grego helenistico
e que fazem transparecer a cultura de São Paulo. Paulo conhecia bem o modo de
pensar próprio da época e sua. Sua pregação estava cheia da cultura grega. Os
Evangelhos são escritos em grego (escritos por judeus). A mensagem dos
Evangelhos é de um universalismo cristão
(“Deus quer que todos os homens se salvem”)
Atos dos Apóstolos capítulo 17, 16-34:
Paulo no Areópago de Atenas. Paulo assume uma atitude contra a Filosofia ou
sabedoria do mundo: Carta aos Colossenses,
2, 8 e Coríntios I e II.
A
verdade revelada foi-nos transmitida através das categorias gregas.
LER:
Francois
CHATÊLET. História da filosofia, vol. II, p. 15-54;
Nicola
ABBAGNANO. História da Filosofia, p. 109-118;
Etiènne
GILSON. História da filosofia cristã, p. 09-22 (Introdução)
2. A
PATRISTICA
É
o tempo das especulações dos “Padres da Igreja” (primeiros séculos do
cristianismo)
a) Período
de formação: séc. II-III
b) Período
do apogeu: séc. IV-V
c) Período
da transição: VI-VIII (quando se dá a passagem para a escolástica)
A
origem da especulação patristica: Temas
especulativos vão adquirindo lugar no cristianismo, por dois motivos: heresias
(necessidade de maior precisão conceitual) e reação intelectual do paganismo
(São Paulo no Areópago, Atos, 17).
Os
primeiros séculos são de formação da dogmática cristã. A Igreja tem que
responder aos ataques intelectuais no mesmo nível. Lança mão de instrumentos
mentais: conceitos filosóficos gregos (os apologetas do séc. III são, em geral,
convertidos).
O ensinamento básico:
o cristão possui a fé, mas não a possui como um absurdo e sim por ter razão de
possui-la.
2.1 A PATRÍSTICA GREGA (apolegetas
gregos)
2.1.1 JUSTINO
(100-163) ou (100-166 ou 170?) nasceu em Nablus, antiga Siquém, na Samaria.
Convertido ao cristianismo. Estudou muito a filosofia grega, principalmente a
dos cínicos da época imperial tendo andado com eles e até mesmo vestido o seu
manto de filósofo. “A filosofia é a ciência e o conhecimento da Verdade; a
felicidade é o prêmio desta ciência e desta sabedoria”. “A filosofia é aquilo
que nos leva até Deus e nos une a Ele”. Frequentou diversas filosofias na busca
da verdade para solucionar o problema da vida: peripatética, estóica,
pitagórica, platônica. Justino conserva uma forte base platônica
OBRAS:
“Diálogo com o judeu Trifão”, 2 Apologias
Nova
concepção de filosofia: filosofia é um converter-se.
Ele
diz que converter-se é tornar-se filósofo da verdade. O cristianismo o ajudou a
ser filósofo. Diz ele que o cristianismo tinha todas as verdades de Platão.
DOUTRINA DO LOGOS:
torna-se o 1° filósofo cristão. Diz que não podemos condenar os filósofos
gregos por não terem tido a revelação; “Eles chegaram até o limiar da verdade”;
o que existia de verdade (já) era participação no Lógos.
Lógos Total:
Cristo Os filósofos que mais se aproximaram de Cristo foram Sócrates, Platão,
os estóicos. Neles existiam pensamentos
dos Lógos. Justino diz que Platão era mais cristão que platônico. Já
havia verdades cristãs na filosofia grega.
Mérito: introduzir a filosofia grega no
cristianismo.
2.1.2 IRINEU
(Séc. II ou 130(140) - 202). Bispo de Lion (França)
Defendeu
o cristianismo de maneira teológica.
Obra
famosa: “Adversus haereses”. Outra: “Demonstração da pregação apostólica”
Nele
há uma oposição entre fé (pistis) e a iluminação especial dos gnósticos
Refuta
a falsa gnósis. A verdadeira gnósis só pode ser
verdadeiramente alcançada pela
revelação que coincide com a doutrina da Igreja.
2.1.3
ESCOLA DE ALEXANDRIA
Pelo
século III se dá um progresso
filosófico do pensamento cristão, cujo centro era Alexandria do Egito.
A
escola de Alexandria era célebre como escola catequética (Didascaleion), espécie de faculdade de
Teologia. Teve alguns luminares, dentre os quais se destacam: Clemente e
Origenes. Ambos tornaram conhecida a filosofia cristã.
É
a 1ª escola de educação superior: iniciou uma sistemática, começou a ensinar a
filosofia (platônica, neo-platônica, estóica) e a dogmática.
Fundador:
Panteno; 1° grande mestre: Clemente; maior expoente: Origenes.
2.1.3.1
CLEMENTE DE ALEXANDRIA (145-215). Atenas?
Convertido.
No ano 200 foi diretor da escola de Alexandria.
OBRAS:
Protréptico (Exortação); Pedagogo (Lógos); Stromata (Tapeçaria); esta era uma
obra cheia de idéias da
filosofia grega.
O
núcleo de tudo (proposição básica): o Lógos, isto é, toda verdade procede da mesma fonte.
Judeus (profetas)
Lógos
- plenitude : o Cristo ------: CRISTIANISMO (é a Verdade vista sob a luz da plenitude)
Gentios (Filósofos)
A
lei (AT) é a pedagogia para Cristo. Pedagogo é quem diz que em Cristo se
encontra a verdade absoluta.
O
conhecimento tem uma tríplice divisão; (a) Filosofia (prepara para a fé); (b) a
fé; (c) Gnosis: edifica a verdade sobre a fé. A gnosis é ainda o ponto mais
alto a que o cristão pode chegar.
Clemente
é eclético: isto é, não assume nenhuma filosofia de modo total (para ele a
verdade está dispersa em toda filosofia). Através da fé é possível encontrar a
verdade em cada filosofia.
Para
se chegar à verdadeira gnósis é preciso de ascese e prática das virtudes. O
gnóstico é aquele que possui o conhecimento verdadeiro de Deus e a caridade.
NOTA: A gnose:
era uma heresia cristã relacionada com a filosofia grega da última época
(Roma), com idéias neo-platônicas e com idéias do judeu helenisado, Filon, que
interpretava alegoricamente a Bíblia. O saber gnóstico: é uma iluminação
especial superior que é de “gnósis”. Durou até o Concílio de Nicéia em 325).
Na gnose verdadeira, pois, devem estar juntas a
filosofia, a fé e a caridade.
Com
Clemente a Igreja não se coloca contra a razão. Pelo contrário, coloca-se a
favor dela. A Igreja é a favor do homem. Em Clemente já encontramos o primeiro
teórico do princípio: “a graça não destrói, mas eleva a natureza”.
2.1.3.2
ORIGENES (185-254): teólogo, exegeta
Foi
discípulo e sucessor de Clemente na Escola de Alexandria. Viajou muito para se
instruir. Ordenado sacerdote, foi logo depois “deposto” Não pôde mais exercer o
ministério sacerdotal por ter algumas idéias heterodoxas e por ciúmes de outros
na escola. Foi muito influenciado pela Escola de Alexandria. Refugiou-se na
Cesaréia (Palestina), onde fundou uma escola de Teologia, tendo aí ensinado até
o fim da vida (por 20 anos). Foi o principal pensador cristão antes de
Agostinho. Leva a apologia até as últimas conseqüências. É o 1° que tenta
provar as verdades do cristianismo e, assim, procura ser sistemático. O maior
teólogo de espírito grego. Há quem diga que, considerando a quantidade de seus
escritos, é o maior teólogo de todos os tempos.
Principais
obras: “Sobre o Princípio”: síntese da Igreja Católica; “Contra Celso”: uma
apologia. Da sua doutrina surgem, pela primeira vez, idéias sobre Deus que
perduram até hoje:
DEUS: sumo
transcendente. Está além do ser e da inteligência. É criador. Esta é uma noção
importante para a filosofia posterior: criação do mundo a partir do nada por
ato livre da vontade de Deus. Deus cria o mundo, não diretamente, mas por
intermédio do Lógos. Quanto a criação do mundo, o Lógos é a idéia exemplar (o
mundo é feito à imagem de Cristo). Deus deve ser criador desde toda a
eternidade e está continuamente criando.
Quanto
aos espíritos, via os anjos e os demônios como sendo naturalmente iguais,
apenas distinguindo-se, de fato, por um ato de vontade contra Deus. É dele a
reflexão, conhecida na Teologia, sobre a
“restauração” da natureza para Deus.
2.1.3.3
OS CAPADÓCIOS
Entre
o pensamento da escola de Alexandria e Agostinho, surgirma doutrina dos assim
chamados padres capadócios. É o século IV. Eram homens de profunda cultura, formados na solidão do silêncio
monástico e na ascese, Eram filhos de famílias importantes: Gregório de Nanzianzo
(Deus); Basílio Magno (Mundo) e Gregório de Nissa (Homem).
A
situação da época é aquela em que a Igreja Católica tornou-se a religião
oficial do estado (Ver Edito de Milão).
É
o período dos primeiros concílios que fudamentaram os principais dogmas da fé católica: a pessoa de Jesus
Cristo e o problema da SS. Trindade. Foi o período das grandes heresias. Nesta
confusão de idéias surgem os três capadócios: homens de pensamentos seguros e
que foram influenciados pela Escola de Alexandria sobretudo por Orígenes.
Cuidaram de combater as heresias.
1. GREGÓRIO
DE NANZIANZO (329-390)
Estudou
teologia e filosofia em Atenas e escreveu uma obra importante: “Discurso sobre
a Trindade”.
Seu
alvo principal era combater o “arianismo” (negava a divindade de Jesus Cristo),
afirmando que o cristão deve acreditar na Palavra de Deus e reconhecer os
limites da razão.
Para
ele, nem todo homem deve e pode falar de Deus, pois, para isso, eledeve estar
voltado para Deus. Achou que se devia purificar o sentido egocêntrico e de um
isolamento exagerado que eram marcas estóicas do cristianismo.
Enquanto
os arianos achavam que Deus não pode ser trino porque não é compreensível,
Nanzianzo tentava mostrar que a fé é superior à razão. Para ele, Platão, na
obra Timeu, diz que é difícil falar de Deus. Baseado nisto, afirmava a incompreensibilidade
de Deus.
Logo,
podemos conhecer a existência de Deus, mas, com maior dificuldade, podemos
falar de sua essência e aqui está o começo de uma maneira negativa de se falar
de Deus (Teologia Negativa). Por exemplo, alguns atributos como: não corporal,
não gerado, sem início, sem fim, etc...
A
noção de Deus é aquela de “um mar
infinito de realidade em seus limites e
totalmente isento de natureza (física) e é eterno”.
É
o primeiro a dizer que não se pode chegar diretamente a Deus através das criaturas
2. BASÍLIO
MAGNO (330-379)
Nascido
em Cesaréia da Capadócia, tem o mundo como objeto de sua reflexão. Parte da
idéia de que Deus é criador e daí tenta explicar o mundo: o mundo não é
autônomo, porque criado.
Quanto
à criação, ele faz uma crítica aos pensadores antigos (gregos), dizendo que
eles fundamentaram o mundo “numa teia de
aranha”. Diz que é necessário haver um criador, pois isto possibilita uma
resposta suficiente. De Basílio, pois, temos a noção de criação ainda vigente: ”Deus deu existência ao mundo, no tempo,
por ato aterno e intemporal”.
Alguns
elementos importantes decorrem desta noção de Deus: (a) a impossibilidade de um
mundo sem princípio; (b) o ato criativo é intemporal; (c) o tempo começa a
existir com o mundo.
Basílio
se caracteriza por fazer uma rrelação mais compreensível entre Deus e as
criaturas.
3. GREGÓRIO
DE NISSA (335-394)
Nascido
em Cesaréia da Capadócia. É o maior filósofo entre os padres gregos da época.
Sua preocupação é antropológica. Tenta fazer
uma harmonia entre a fé e a razão, pois, para ele, a fé e a razão
são distintas, mas devem colaborar mutuamente na busca da verdade.
Com
a noção de Deus e da criação ele vê o homem como um ser composto e, ao mesmo
tempo, “centro de tudo”.
Homem
é um ser composto: Natureza divina, natureza humana e natureza animal – alma e corpo (homem)
É
a dimensão do espírito que procede e que é a imagem e semelhança de Deus. O
espírito: imagem e semelhança de Deus; o corpo; semelhança com o mundo. O homem
não é apenas um espírito, mas um composto. Nisto, ele via uma necessidade, a
exemplo de Orígenes, de tudo voltar para Deus. É a restauração de tudo em Deus.
3.0 PATRÍSTICA
LATINA
Floresceu
no norte da África, marcadamente na cidade de Cartago, cidade de cultura
romana, Cartago adotou a língua latina,tornando-se muito prospera e considerada
a Segunda capital do Império.
Pelos
anos 200 já existia ali uma forte comunidade cristã e os cristãos eram
perseguidos. É neste contexto que vamos falar de Tertuliano e Agostinho.
3.1 TERTULIANO (160-244)
É
de Cartago. Jurista convertido ao cristianismo. Suas obras mais conhecidas são
de cunho apologético:
a) O
apologeta; b) Sobre a prescrição dos hereges (a mais importante); c) Sobre a
alma.
Tertuliano
fez uso do conceito de “prescrição”, próprio do Direito Romano,
aplicando-o ao mundo cristão no tocante
ao uso e “posse” das Sagradas Escrituras. “Prescrição”, pois, é o uso de um bem
por um tempo sufuciente que dá título legal de propriedade. Aplica aos cristãos
o direito de prescrição e nega-o aos gnósticos.
Usou
a apologética para defender a ortodoxia cristã contra os gnósticos que
procuravam fazer uma simples interpretação racional da Escrituras.
GNOSE
x CRISTIANISMO
Para
Tertuliano o cristianismo é o “dono” da mensagem evangélica porque foram os
primeiros a usá-la e, além disso, os cristãos submetem a razão à fé.
Os
gnósticos, por sua vez, invertem esta ordem, submetendo a fé à razão.
Tertuliano
faz uma total oposição entre a fé e a razão. Dele é o seguinte pensamento:
“Creio justamente porque é absurdo”.
Por
isso, os cristãos são aqueles que têm a autoridade para falar da mensagem
evangélica.
“Os
profetas foram os patriarcas dos cristãos; os filósofos foram os patriarcas dos
gnósticos e dos
heréticos” (Chatêlet, p. 74).
“Pois,
não foi para batizar que Cristo me enviou, mas para anunciar o Evangelho, sem
recorrer à sabedoria da linguagem, a fim de que não se torne inútil a cruz de Cristo” (I Cor. 1, 17).
“Pois
quem conheceu o pensamento do Senhor para poder instrui-lo? Nós, porém, temos o
pensamento de Cristo” (I
Cor. 2, 16).
Tertuliano
ensina uma doutrina (influência estóica) materialista sobre o homem e Deus.
A ALMA:
Corpo é tênue e engendrado pelos pais (assim também explica a transmissão do
pecado original).
DEUS: é
extremamente sutil. Nesta sutileza está a semelhança entre Deus e a alma
humana. “A alma é naturalmente cristã” (“anima humana naturaliter christiana”).
2.2 AGOSTINHO
(13/11/354 – 28/08/430)
É O MAIOR SÁBIO DO CRISTIANISMO
Nasceu em Tagaste
(Numídia, perto de Cartago), na África. Com Tertuliano, ele é filho daquela
África romanizada e cristianizada, semeada de heresias.
Pai: Patrício
(pagão, foi batizado)
Mãe: Mônica (cristã
fervorosa)
Teve uma mocidade
profundamente desviada moral e intelectualmente. Textos inspiradores da
conversão: Rom. 13, 13-14 e I Cor. 6, 12-20.
Conversão: 386 (33
anos). Foi batizado por S. Ambrósio, em Milão.
Ordenado sacerdote:
391
Ordenado (sagrado)
bispo: 395. Foi bispo de Hipona até morrer em 430 (75 anos).
. As perseguições
aos cristãos já haviam terminado.
. Surge o
Pelagianismo (heresia) que acentua muito a liberdade humana chegando a negar a
graça.
. Sua filosofia
está muito relacionada com a sua vida.
. A base de sua
filosofia está na filosofia platônica (também ele não é sistemático).
. Agostinho domina
toda a patrística, assim comoTomás de Aquino dominará toda a Escolástica.
2.2.1 OBRAS (94)
. “Confessiones” (teol.): Relato de sua
vida passada, relato de seu estado de espírito, relato do louvor a Deus.
. “Retractationes”: Obra crítica de
Agostinho...revisão de suas obras.
. “Contra Academicos” (fil.): Contra o
ceticismo.
. “De beata Vita” (fil.): Sobre a vida
feliz que se encontra na verdade divina e o homem a encontra em união com Deus
. “De ordine” (fil.): Trata do problema
do mal e da Providência Divina.
. “Soliloquia” (fil): Monólogo sobre a sabedoria cristã.
. “De Imortalitate Animae” (fil.):
continuação do Soliloquia.
. “De quantitate Animae” (fil.): Trata da imaterialidade da alma.
. “De Musica” (fil.): Trata das artes.
Sua finalidade é levar o homem ao eterno.
. “De magistro” (fil.): Função da
linguagem. Sobre Cristo que é o Mestre.
. “De Vera Religione” (teol.): Contra os
maniqueus
. “De Trinitate” (teol.): Sobre a SS.
Trindade.
. “De Libero Arbitrio” (fil.): O problema
do mal e da liberdade humana.
. “De Civitate Dei” (teol.): Filosofia da
História. Apologia do Cristianismo.
A filosofia de Agostinho é o caminho de seu
encontro com Deus.
O princípio da
filosofia é o encontro na admiração.
Para ele o princípio da filosofia é o amor a Deus que é expresso no desejo de
felicidade (o homem sente tal desejo e este só pode ser satisfeito em Deus).
“Nada é, para o homem, causa do filosofar que não seja a felicidade”.
Assim, a verdade
não é especultiva, mas salvadora. Agostinho sofreu uma dupla conversão:
a)
Conversão
intelectual: foi ao maniqueismo e ao ceticismo da Nova
Academia. Rejeitou tudo isto e passou ao Neoplatonismo.
b)
Conversão
moral: Com base nos sermões de S. Ambrósio (Milão)
e nas conversas com Simpliciano (sacerdote que lhe falara da conversão do
neo-platônico Vitorino) e pela leitura do Novo Testamento (Rom. 13, 13-14 e I Cor. 6, 12-20).
Desta forma a
filosofia não é neutra, ou é cristã ou não é filosofia.
Não vê
possibilidade entre de separação entre a filosofia e religião. Para Agostinho
há consenso muito íntimo entre fé e razão (são inseparáveis). Se a fé nos leva
à adesão, deve levar-nos à compreensão. A fé precede o saber, o saber tende
para a fé. É preciso ter razões para se ter fé (“intellige ut credas, crede
ut intelligas”).
“A fé que procura a
compreensão” – “fides quaerens intellectum”. Creio para compreender” – “credout
intelligam”
Com relação à fé a
razão tem duas missões: procurar as razões
naturais para crer; procurar a inteligência
do que se crê.
Neste mundo o
objeto de nossa fé é maior que nosso entendimento.
O homem deve crer
neste mundo para que na eternidade ele possa ver o que ele creu.
“A fé e a
razão são de tal modo inseparáveis que o
filósofo não deve separar o que Deus uniu”.
A fé e a razão,
conjuntamente, dão a possibilidade do homem se encaminhar para a verdade (e
esta só se encontra em Deus).
O homem deve
procurar a verdade:
Ab exterioribus ad interiora
Ab interioribus ad superiora
Deus é mais íntimo do que meu íntimo
Agostinho procura conhecer Deus e a alma
humana. O centro do pensamento dele é procurar Deus através da alma humana.
Juntamente com a fé e o saber, está o amor que completa a sabedoria cristã
2.2.2
NOÇÃO
DE DEUS
Deus é a fonte
criadora e origem de todo o ser.
Tríplice função do
ser:
a) Fonte
do ser das coisas como criador (Metafísica -Física)
b) Fonte
da verdade das coisas como luz intelectual (Conhecimento - Lógica)
c) Fonte
da bondade das coisas por sua graça (Ética -Moral)
2.2.3
CONHECIMENTO
Admite que tanto os
sentidos, como o intelecto são fontes de conhecimento. Pra a visão sensível é
preciso, além dos olhos e das coisas, também a luz física. Da mesma forma, para
o conhecimento intelectual é necessário a luz espiritual que vem de Deus (verbo
de Deus para o qual são transferidas as idéias de platão).
É o precursor da
atitude de dúvida antes de aceitar algum conhecimento...uma dúvida que desperte
a necessidade de uma crítica.
Existe a verdade? O que é a verdade?
Existe a verdade? Para
justificar a existência da verdade, Agostinho faz apelo à consciência. É no
julgamento de consciência que a verdade aparece de imediato ao homem. O
julgamento de consciência é feito pelo sujeito conhecedor por uma experiência
imediata.
No caso do erro,
está um fundamento da verdade: “Se, na verdade, me engano, sou” (“si enim
fallor, sum”).
Tal julgamento de
consciência é uma intuição intelectual da verdade. Como temos uma intuição
sensível, temos também uma intuição intelectual.
A verdade é buscada
na sua existência no ínterior do próprio homem.
O
que é a verdade? Não é a minha verdade, não é limitada.
É eterna e
necessária.
Não pode depender
de sujeitos conhecedores nem de condições.
Ela se comunica a
todos que vêem realidade imutáveis...”Ela é a luz que ilumina a todo homem que
vem a este mundo” (Jo. 1, 9).
Donde vem a verdade para o homem?
Não pode vir dos
sentidos (pois eles estão em contato com o que é e
com o que não é).
Não pode provir da
inteligência (se dela viesse seria verdade de cada um e
ela deve ser verdade de todos).
Não é a
inteligência que cria a verdade, mas a encontra
Não é a intteligência
que mede, ou avalia a verdade, mas é a verdade
que mede a inteligência.
Desta forma, a verdade não está nem fora, nem dentro do
homem, mas acima dele.
2.2.4
TEORIA
DA ILUMINAÇÃO
O homem para
conhecer a verdade deve ser iluminado por Deus.
A idéia de Bem de
Platão: ilumina as idéias e as torna contempláveis.
Para haver
conhecimento, o homem deve estar iluminado por Deus...Deus é a luz.
“Deus é o sol da
alma e o mestre interior” (De Magistro)
“Para ser, a alma
precisa do criador e para conhecer, ela precisa também do Mestre” (De Magistro)
2.2.5
METAFÍSICA
A existência de
Deus é provada a priori, enquanto no espírito humano haveria uma particular
presença de Deus. Esta presença de Deus está na Verdade de Deus, no Verbo de
Deus que ilumina nosso conhecimento.
Quanto à essêncial
Deus é infinito, eterno, imutável, espírito, pessoa
Deus é o fundamento
de toda a metafísica. Mas, Deus existe? O que é Deus? Qual a relação de Deus
com o mundo?
Deus existe? Busca-se Deus no
mundo exterior. Volta-se para o mundo interior, mas vendo os próprios limites
no seu interior, o homem deve descobrir que a alma não é Deus.
Logo, Deus não é
exterior, nem interior, mas é superior. Deus é o fundamento do exterior e do
interior. Deus é a exigência de tudo o que é.
O homem conhece a Deus
porque Deus se deixa a conhecer e porque dá, ao homem, esta possibilidade.
O homem busca Deus
no exterior, vai ao interior, mas só o encontra no SUPERIOR.
Mas, o homem na procura de Deus pode fixar-se
no menos perfeito: as criaturas (podendo tomá-las por Deus – idolatria).
Especulando, porém, sobre as criaturas, conclui-se que elas não são Deus.
O que é Deus? É aquele que deve ser buscado, que
é infinitamente incompreensível
Devido a
imutabilidade de Deus eu impedido de falar dele positivamente (teologia
negativa).
Segundo Platão,
Deus é o Bem de todo bem. O relacionamento de Deus com o mundo se dá por base
platônica:
a) Participação:
Tudo o que não é Deus, participa de Deus no plano do ser, da verdade e do bem.
Tudo o que é, é porque é participação da Trindade (Verdade). Nesta colocação
está a base da criação.
b) Exemplarismo:
O mundo das idéias exemplares não é independente Deus. Reside na inteligência
divina (Cristo) que é consubstancial ao pai (é a recapitulação do “lógos” dos
Padres da Igreja) como protótipo de todas as coisas criadas.
A alma humana é
especialmente imagem da
Trindade...então, o homem é, conhece e ama, assim como a Trindade é, conhece e
ama.
O homem
conhecendo-se a si mesmo, conhece a Deus. Todo conhecimento vem acompanhado da PRESENÇA ILUMINADORA de Deus. Pelas
próprias forças o homem não pode conhecer. O homem deve ser iluminado.
Graça X Pelagianos:
conhecimento e graça estão relacionados. Para se chegar (ao conhecimento pleno)
a Deus é preciso da graça.
2.2.6
COSMOLOGIA
( DEUS E O MUNDO)
Mundo: foi criado do nada pela vontade
onipotente de Deus.
Deus: é o criador desde toda a eternidade
“RATIONES SEMINALES”: Deus
coloca na matéria (a “ratio seminalis”) as “rationes seminales” de todas as
coisas. As RS são princípios seminais, forças vitais que se desenvolvem por
circunstâncias oportunas sob o influxo divino, produzindo espécies diversas. As
RS são germes de toda a realidade (germes específicos de todos os seres) que se
desenvolve pelas circunstâncias do mundo e pelo concurso de Deus. No ato
criador foi depositado toda força do desenvolvimento posterior.
O problema do mal:
mal físico e mal moral.
O mal foi alvo de
particular especulação. O mal é privação de bem, privação de ser. O bem mostra que os seres são bons em si mesmos, em
razão de sua origem: imitação das
idéias eternas (Verbo de Deus) e de seu
destino: todo ser louva a Deus.
O mal físico não é
um dado positivo, mas é privação.
O mal é,
fundamentalmente, privação do bem (de ser): este bem pode ser não devido (mal metafísico) ou devido ( mal físico ou moral) a
uma determinada natureza; se o bem é devido, então, nasce o verdadeiro problema
do mal.
a) O mal físico:
decorre da finitude da criatura (de sua natureza), ser limitado e imperfeito.
Todo
mal existe em benefício do todo. O mal funciona como um dinamismo na progressão
até Deus.
b) O mal moral:
não é criado por Deus. Deus apenas o permite para maior bem do homem. “É melhor
tirar o bem do mal, do que suprimir o mal, segundo o pensamento de Deus”. O mal
também concorre para maior manifestação dos atributos de Deus.
2.2.7
O
HOMEM
O homem é
compreendido segundo Platão: corpo e alma e a alma tem o corpo e o dirije. Para
Agostinho o que mais interessa é a alma.
Alma: Tem caráter
negativo: (a) imaterial. Tem também caráter positivo: (b) substancial: (c) possui seus atos como
próprios e distintos; (d) é espiritual: os atos da inteligência e da vontade não podem ser explicados pela
matéria; (e) é imortal: o desejo da felicidade não pode ser frustrado; (f) pode
conhecer o que é eterno e imutável e, por isso, deve ser também eterna e
imutável.
ORIGEM DA ALMA: As “rationes
seminales” colocam Agostinho no rótulo
de traducianista (traducianismo ou geracionismo). Não é bem claro! Também não
repele o criacionismo. Parece dizer que a alma e o pecado original vêm à luz
pelos pais. Os pais tê as “rationes seminales” dos filhos.
2.2.8
ÉTICA
Agostinho ensina
que o homem tem livre vontade e que Deus é o seu fim último. O homem deve
tender livremente para o seu fim.
Liberdade psicológica (livre arbítrio):
capacidade de agir ou não agir, de agir assim ou não assim. Esta nunca pode ser
perdida pelo homem.
Liberdade moral: capacidade de escolher obem ou o mal...esta
depende da responsabilidade do homem
Ação: é acentuada a
função da vontade do homem. Ele mais voluntarista do que intelectualista. O
homem deve voluntariamente desapegar-se do exterior e voluntariamente apegar-se
ao superior. Escolher algo inferior é tornar-se escravo. A alma se torna má
quando se prende em alguma parte da ascensão para Deus.O homem deve estar em
contínua procura de Deus. O lugar do coração humano é Deus””o nosso coração
está inquieto enquanto não repousa em Deus”.
A ética de
Agostinho, pois, se funda sobre a caridade (felicidade é a posse de deus pelo
amor – “dilige et quod vis, fac”).
2.2.9
FILOSOFIA
DA HISTÓRIA
“Civitas Dei” é uma
teoria da história. Interpreta a história sob o prisma cristão: observa que
toda a evolução, todos os acontecimentos estão sujeitos à Providência Divina.
Há uma contínua
tensão entre a cidade celeste e a cidade terrestre.
A cidade terrestre
deve se conformar à cidade celeste. E isto acontecerá pelo amor que é o único
mandamento da Nova lei.
A cidade celeste
coincide com o Reino de Deus pregado por Cristo e que já começou.
Dois amores: um
voltado para a cidade terrestre; outro voltado para a cidade celeste.
A influência de Agostinho sobre a história da filosofia é
muito forte. Mais que Platão, Agostinho influenciou a vida ocidental, istto
porque ele faz uma síntese de todas as aspirações humanas:
Une o conhecimento
reflexivo com o conhecimento intuitivo.
Une a interioridade com a objetividade
(critério de verdade)
Une o humanismo com
o teocentrismo.
Agostinho, encontra
sua perfeita autonomia em Deus e não em si.
Duas fontes a
alimentaram:
a filosofia grega e a patrística. Além destas
duas fontes foi importante a influência da filosofia arabe
e judaica. Que, a seu modo, relacionaram suas tradições religiosas com as
tradições do Alcorão e do
AT, com a filosofia grega.
pensamento grego
tem uma decisiva influência sobre
ao pensamento medieval: os Padres da Igreja, sobretudo, Agostinho.
É o velho princípio de que ninguém faz filsofia senão através de Platãoe
Aristóteles.
Alberto Magno faz
uma filosofia diferente destes dois filósofos. Foi mais um cientista, assim como dizemos hoje.
Aristóteles, no século XIII, começa a ser
mais conhecido , porque além da Lógica, difundiram-se também sua Psicologia e
Metafísica.
Pelos séculos XII e
XIII é que ele é conhecido como “o filósofo”. E isto deve-se a Tomás de Aquino
A maior presença de
Aristóteles se dá na Espanha quando a filosofia cristã entra em contato com a
filosofia arabe e judaica.
Além das
influências de Platão e Aristóteles, ocorreu a influência do estoicismo,
epicurismo e ceticismo.
Ao lado dos
filósofos gregos, os Padres da Igreja são muito importantes para o período da
Escolástica que foi justamente precedido pela Patrística.
3.1 ÉPOCA DE
TRANSIÇÃO (séc. V-IX)
Com a morte de
Agostinho se dá o início do período medieval. Num longo período, do séc. V-IX,
se dá uma lacuna no pensamento filosófico.
O mundo da época se
altera com a queda do Império Romano do Ocidente (476) não havendo mais uma
unidade política, pois os povos bárbaros se precipitaram sobre a Europa.
A cultura clássica
começa a perder sua força
e cada povo começa a ter uma comunidade política própria. É
assim que surge a
cultura clássica como um esforço
para salvá-la. Assim é que se entende a presença dos chamados “intelectuais”,
nestes quatro séculos, que não
fazem outra coisa senão “compilar”. Destacam-se: Isidoro
de Sevilha, Boécio, Cassiodoro, Beda o venerável. Marciano Campanella.
O saber dos antigos
e Padres da Igreja ainda existe,
mas sem o rigor intelectual, sem ordem e sem grandes
distinções. Estes quatro séculos, porém, prepararam o terreno para a filosofia
posterior.
3.2 CARACTERÍSTICAS DA ESCOLÁSTICA
1. Realismo:
a filosofia aristotélica continua presente e inspira uma busca de conformidade
do intelecto humano com a realidade.
2. Pluralismo:
aceita-se a pluralidade dos seres
e de seus diversos graus.
3. Concepção orgânica da realidade:
atividade interna em oposição ao mecanicismo moderno que só admite uma extensão
e um movimento local.
4. Teocentrismo: Deus é o centro de tudo (não é
‘domínio’ de Deus sobre o homem)
5. Personalismo: valorização do homem (é o homem
ocupando o seu lugar próprio)
6. Análise lógica e minuciosa dos
problemas particulares: quanto ao método.
7. Construção de um sistema geral do
saber humano: visão ordenada da produção das ciências
8. Orientação aristotélica das suas
preocupações especulativas
: harmonia das suas teses com as verdades reveladas.
3.3 TEMAS
IMPORTANTES DA IDADE
MÉDIA: A RAZÃO, A CRIAÇÃO E OS UNIVERSAIS
3.1.1 A RAZÃO: A
Idade Média acentuou o valor da razão como instrumento próprio do ser humano,
sobretudo no referente às ciências físicas e humanas...
Não via nela oposição à fé, que, por sua vez,
é o meio próprio do homem conhecer as ciências reveladas. A fé e a razão, a
teologia e a filosofia são reforçadas na sua autonomia. Isto se deve às
reflexões que filósofos e teólogos anteriores fizeram.
3.1.2 A CRIAÇÃO:
É um problema particularmente metafísico e especificamente cristão. A
reflexão cristã da época é feita sobre a nihilidade do mundo e a sua
contingência. O mundo é entendido como sendo “um ser-por-outro”. Para
entendermos a criação, é preciso entendermos, antes, conceitos como: tempo e
nada.
A) TEMPO: A criação como toda vontade de Deus é eterna.
Porém, a sua realização se dá no tempo. O ato da vontade de Deus é eterno
porque sucede de eternidade em eternidade. O tempo começou com o nosso mundo
visível (Basílio Magno)
B) NADA: É um pensamento específico e permanente no cristianismo. Ele é próprio da
relação existente entre Deus e o mundo criado. A relação é constante, o que nos
faz entender melhor o sentido de
conservação, de criação contínua. Isto só pode acontecer porque a sua razão de
ser como criação depende de Deus (vide as “RS”
de Agostinho). Criação é ausência de entidade “em si” e “por si”. O nada
é expressão enfática do ser.
3.1.3 OS
UNIVERSAIS: É
o assunto que “enche” a
Idade Média. Eles são conceitos que aplicam nos juízos ou ainda são as idéias
(conceitos), ou,
ainda mesmo,
é aquilo que pensamos que uma coisa é (a essência de todas as coisas que designamos
pelo mesmo nome).
Os
conceitos são atos de nossa mente e vêm expressos por um nome, por uma palavra,
por isso surgem algumas questões ligadas ao universal. Quais são elas?
1.
A
realidade dos universais está toda no nome (palavra)?
2.
Aos
universais corresponde alguma coisa do mundo dos objetos que estão fora da
mente?
3.
Qual
é, pois, a relação que o universal tem com o individual?
Dois
filósofos, por primeiro, tentaram
fundamentar os universais: Platão
diz que o universal subsiste “como realidade em si”. Assim, os universais vêm
antes das coisas, transcendem os seres singulares, os quais constituem. Aristóteles, por sua vez, afirma que o
universal subsiste na coisa como princípio ativo, como força formadora do seu
ser idêntico em todas as coisas. Em Aristóteles, esta fundamentação para os
universais, é dita realista, ou seja, que os universais se referem à “realidade
objetiva das coisas”.
Para
responder as dúvidas sobre os universais, surgiram algumas correntes de
pensamento que são conhecidas, como: realismo exagerado, nominalismo e realismo
moderado.
1.
Realismo exagerado: predominou, sobretudo no século XII
afirmando que os universais (gêneros, espécies) existem na realidade, como as
coisas, e não de modo que estejam separados como ensinava Platão. Os universais
estão nos próprios indivíduos. De certa forma, essa tendência gerou um certo
anti-realismo por entender que os universais existentes como as coisas em si
mesmas, como ‘res’, negando a individualidade das coisas.
Essa tentativa de resposta é, pois,
anti-realista, afirmando que os universais são as coisas em si (res), negando, assim, a individualidade das
coisas não havendo diferença essencial entre os indivíduos englobados por um
mesmo universal. Ex. o homem...só havia um e as diferençcas seriam apenas
acidentais
2.
O nominalismo: predominou no século XII. Aqui só
existe o indivíduo, nada há de universal. Eu só existo na mente, como algo
posterior às coisas e a sua expressão em palavras, em nomes. Assim, os
universais não são nada mais do que mera emissão de voz,
3.
O realismo moderado: predominou no século XIII. O
indivíduo é a substância primeira e a verdadeira realidade, mas é o indivíduo
de uma essência (espécie), de algo comum a muitos. São significativos dois
pontos de vista: de Tomás de Aquino e de Duns Scoto.
Tomás de Aquino: diz que os universais são, enquanto
considerados formalmente, isto é,
enquanto tais, são produtos da mente. Não existem nela por existir, mas são
produzidos pela mente com um fundamento na coisa (fundamento ‘in re’).
Os
universais têm uma existência, porém, não como coisa separada. Eles não são
‘res’ (coisas) como queriam os realistas exagerados (extremistas). Os
universais estão nas coisas!
Duns Scoto: Liga-se mais aos universais como
mera formalidade, abrindo caminho para o nominalismo. Nesta compreensão do
universal ou do conceito, ele nos apresenta a necessidade de fazermos
distinções: distinção real, distinção de razão e distinção na própria coisa.
-
Distinção real: é aquela que se estabelece entre uma coisa e outra. Ex.
cavalo, elefante, girafa, homem, pedra...
-
Distinção
de razão: é aquela
que se estabelece ao considerar uma coisa em seus aspectos diversos. Ex. vaso
- Distinção na própria coisa: difere daquela feita na razão. Ex.
homem: tem uma forma essencialmente humana, mas tem também uma forma que o
distingue dos demais homens: Mateus, Marcelo, Gorete, Mirian...
4.0 A ESCOLÁSTICA
4.1 O NOME
“ESCOLÁSTICA”
Adjetivo grego, que passou ao latim, escolástica designa, ao pé da letra, aquilo que se ensina de acordo com o método
das escolas, “scholae”.
Na idade média, scholasticus
é o que ensina na schola. Por
extensão do termo, Schola passou a
designar o ensino, por excelência, da teologia
e da filosofia.
4.2 ACEPÇÕES (significados) DO TERMO ESCOLÁSTICA
Num primeiro sentido, escolástica é o método
de ensino dos teólogos e filósofos que se preocupavam em fundamentar
racionalmente os dogmas e de estabelecer sistemas universais compatíveis com a
ortodoxia católica.
Consistia o método escolástico em descobrir em cada
ponto debatido as opiniões das autoridades, fundamentando-as e conciliando-as
com a razão.
Num segundo sentido, que é translato, escolástica serve
para designar o desenvolvimento dos pensamentos filosóficos dentro de uma escola ou de um campo qualquer fechado.
Não se deve confundir, como alguns fazem, escolástica e filosofia medieval, porque se esta última apresenta alguns pontos
de contato com aquela, nem sempre coincidem em toda sua extensão.
A
escolástica é a sistematização da filosofia e teologia ensinadas nas escolas
medievais. Fechadas as escolas pagãs em 529 por JUSTINIANO (coincidentemente,
no mesmo ano em que S.
BENTO inicia sua ordem em Cassino) são reorganizadas com
cristão por CARLOS MAGNO no séc. VIII. Eram
monacais, episcopais ou palatinas.
Já no século
XIII surgem as universidades, como associações corporativas livres de alunos e
professores — “Universitas” (Bolonha
e Paris), apresentando 2 estágios: a faculdade das artes liberais (trivium quadrivium, em 6 anos, como
preparação filosófica) e a faculdade de teologia (aprofundamento na Sagrada
Escritura, em 8 anos). Através de lições (Iectio)
e dos seminários (disputatio), professores
e alunos aprofundando no saber da época, sistematizando-o.
A Filosofia
servia como instrumento da Teologia, demonstrando pela razão as verdades
aceitas pela fé bem com a sua logicidade não contrariedade com os princípios
fundamentais da razão. A Igreja passou a autorizar os professores leigos a
ensinar a doutrina sagrada.
4.3 PERÍODOS DA
ESCOLÁSTICA
Para alguns autores, como, por exemplo, a escolástica
“histórica” divide-se nos seguintes períodos: Pré-escolástica, baixa escolástica, apogeu da escolástica e escolástica
decadente.
Outros autores preferem a divisão tripartida, mais
simples, em períodos chamados: de formação,
apogeu e declínio.
4.3.1 PERÍODO DE
FORMAÇÃO
Caracterizada,
nos seus inícios, pela preservação da cultura clássica num mundo bárbaro,
tinha cunho mais propriamente neoplatônico. Por seu caráter materialista, os
escritos aristotélicos de Cosmologia são vedados pela Igreja, sendo condenadas
publicamente as teses de escolásticos que, neles fundados, se desviam da doutrina
cristã.
Contrastando com o que se passava, em outras partes da
Europa, nesse período, onde era notória a ausência de escolas, no vasto império
de Carlos Magno, depois da viagem que o monarca fez à Itália, grande impulso
foi dado ao ensino, refletindo-se tal influência nas artes, ciências e
filosofia. As famosas capitulares 787 do imperador Carlos Magno determinaram a
disseminação de escolas por toda parte, escolas essas que tomaram nomes
conforme se erguiam junto às cortes, aos palácios — escolas palatinas, franqueadas a todos, sem distinção —, junto aos
mosteiros — escolas monacais, divididas
em duas secções, religiosa e leiga e, finalmente, junto às sedes dos bispados — escolas catedrais, também separadas em
duas secções, ou seja, secção regular, para religiosos, e secção secular, para
os Leigos.
Ensinavam-se as artes
liberais, divididas em trivium (gramática,
retórica e dialética) e quadrivium (aritmética,
geometria, astronomia e música); as ciências naturais; a filosofia; a teologia.
Empregava-se o método exegese ou comentário do texto adotado pelo lente, que “lia” os
autores, então em voga, comentando as passagens, ponto por ponto.
As escolas — scholae — mais célebres fixaram-se na
Inglaterra, França e Alemanha.
Diversos problemas eram discutidos, nessa época,
sobressaindo, entre eles, o famoso problema ou questão dos universais, que já preocupara os pensadores gregos,
Platão e Aristóteles.
Os universais são
as noções genéricas, as idéias. No decorrer da história da filosofia medieval,
a complexa questão dos universais penetrou
quase todos os campos - o da lógica, da
ontologia, o da teologia.
O problema que preocupara os gregos foi revivido, na idade
média, a partir do instante em
que Boécio divulgou, traduzindo-o para o latim, o livro Isagoge, de Porfirio, na parte
introdutória ao que Aristóteles escrevera sobre as categorias.
De modo bastante simples, o problema dos universais é posto nos seguintes termos: até que ponto
o conhecimento se refere à realidade? Se, de um lado, temos uma série de
objetos, que se apresentam a nossos sentidos como indivíduos (este livro, esta
pedra, este caderno), por outro lado, os conceitos
com que pensamos esses objetos são universais: livro, pedra, caderno. Os
universais são, portanto, os gêneros e as espécies e se contrapõem aos
indivíduos. Os indivíduos, ao mesmo tempo que existem, na realidade, são por
nós pensados mediante suas espécies e gêneros. Qual a relação dos universais com a realidade?
A solução ou resposta que se dê a esse magno problema
vai determinar a idéia que temos do ser
das coisas, de um lado, e do conhecimento,
de outro lado.
Problemas
filosóficos, os mais transcendentes, metafísicos e teológicos se acham ligados
à magna resposta formulada.
Quatro respostas foram dadas, na idade média, ao
problema dos universais, originando cada uma delas um sistema, conhecido por um
dos nomes seguintes: realismo, que se
divide em exagerado e moderado; nominalismo; conceptualismo.
Entre os grandes nomes deste primeiro período da
escolástica ficaram célebres Santo
Anselmo (1033-1109), arcebispo de Cantuária e inimigo acérrimo dos nominalistas, espírito organizado que
tenta uma síntese imensa de todo o conhecimento de sua época; Pedro Abelardo (1079-1142), professor
extraordinário, célebre também por seu infeliz romance com Heloísa, reuniu em
volta de sua cátedra mais de 5.000 discípulos, autor do livro Sic et Non, deixou o mais completo
estudo sobre os universais, à luz do aristotelismo. Professando o racionalismo, demonstra Abelardo que a razão humana tem possibilidades de explicar
os mistérios e a teologia; João Escoto, denominado Erigena ou Erígenes, por
haver nascido na Irlanda (Erin), é o chefe da escolástica dissidente e o
espírito mais culto do nono século. Empreendeu
uma síntese panorâmica do saber de
sua época, resumindo-se a sua doutrina na afirmação de que há uma só substância, absoluta, da qual
emanam os seres, os quais, por sua vez, serão por ela absorvidos.
Por essa época, no oriente, floresce a filosofia árabe,
distinguindo-se os nomes de Alfarabi,
Avicena e Averróis, ao mesmo
tempo, que, entre os judeus, surgem os nomes de Issac Israeli, a quem se atribui a definição de verdade (adaequatio intellectus et rei —
adequação do intelecto e da coisa) e de Saadia
Ben Joseph de Fayoum, que tenta harmonizar os ensinamentos bíblicos com o
que ensina a filosofia. No ocidente, a filosofia judaica teve como
representantes Avicebron, autor da Fons vitae, de influência neoplatônica,
que foi adotada pela escola franciscana, mas repelida por Santo Tomás. e Maimônides, autor do livro Dia perplexorum, guia dos perplexos, de
fundo neoplatônico e aristotélico, que exerceu notável influência nas
mentalidades cristã e judaica, chegando até aos tempos de Espinosa.
4.3.2 PERÍODO DE
APOGEU
O período de
apogeu da escolástica estende-se pelo século XIII que, estudado profundamente, vai mostrar a impropriedade da
afirmação que diz ter sido a idade média uma noite de dez séculos.
Ao contrário, o que no século XIII e seguintes produziu
a idade média, no campo da política (época da Magna Charta, de 1215), da arquitetura
(as grandes catedrais góticas), da pintura
(Giotto e Cimabue), da poesia (a Divina Comédia, de Dante Alighieri), da ciência (álgebra, bússola, ciências
experimentais), filosofia (Alberto
Magno e Tomás de Aquino), é mais do que suficiente para denominar época das luzes ao período medieval, o
cadinho que preparou o renascimento.
A introdução das
obras aristotélicas, no mundo católico ocidental, a criação das Universidades e a fundação
das ordens franciscana e dominicana foram
três fatores decisivos na eclosão e aperfeiçoamento do pensamento filosófico.
É a época de Alexandre de Hales, o doctor irrefragabilis; de São Boaventura, o doctor seraphicus; de Alberto Magno, o doctor universalis; de Santo Tomás de Aquino, o doctor angelicus; de Duns Scoto, espírito hipercrítico. mas
delicado, que reformula in Omeras concepções; Raimundo Lulo, o doctor illuminatus.
Nesse período, viveu Rogério Bacon (1210-1294), o doctor mirabilis, franciscano genial,
que cultivava ao mesmo tempo as matemáticas e as ciências da natureza. Toda ciência requer a matemática —
ensinava (omnis scientia requirit
mathematicam), mas a experiência é igualmente indispensável (scientia experimentalis).
Gênio notabilíssimo, investigou a natureza, aperfeiçoando
vários instrumentos de pesquisa, como lunetas e espelhos, apontou o erro do
calendário juliano, então em voga, e previu a descoberta de máquinas e instrumentos
de nosso século, como o carro, telescópios e microscópio, pontes e até aviões.
A escolástica encontrou
opositores, que procuraram contrariar-lhe as teses sustentadas. A esse
movimento antiescolástico se dá o
nome de averroísmo, nome sob o qual
se agrupam os que opõem o peripatetismo de Averróis à interpretação
albertinotomista do estagirita.
Negando o livre arbítrio, apegando-se à autoridade de
Aristóteles, para eles infalível, intitulam-se, orgulhosamente, de macacos dos dois mestres (Aristóteles e Averróis), ao passo que os
escolásticos, muito mais firmemente, recorrem aos argumentos lógicos da razão.
A própria universidade de Paris teve representantes da
filosofia antiescolástica ou averroísta distinguindo-se, entre eles, Siger, de Brabante,
que manteve constantes e vivas polêmicas com Santo Tomás, acabando por desaparecer
do cenário cultural da época.
4.3.3 PERÍODO DE
DECLÍNIO
Causas sociais, políticas, econômicas, religiosas influiram
de modo decisivo para que a escolástica declinasse, cedendo lugar a nova
concepção do homem e do universo. A essas causas,
que poderíamos denominar de externas ou
do mundo, somaram-se outras, chamadas
internas, oriundas da própria fonte,
de seus próprios cultores, que abandonam a investigação da verdade pela própria
verdade, para colocar a inteligência e o estudo a serviço de discussões
acadêmicas ou políticas.
Multiplicam-se as escolas, de modo desordenado, sacrificando-se
a qualidade pela quantidade. Perde terreno a escolástica não por falta de argumentos,
mas por falta de quem os apresente e defenda.
Esquecem-se as grandes teses para discutir questões de lana caprina.
Citam-se, nesta época, os nomes de Guilherme de Ockham
(1295-1349), João Buridano, Alberto da Saxônia, Nicolau de Oresme, o Cardeal
Caetano, Nicolau d’Autrecourt e Nicolau de Cusa.
4.3.4 CONCLUSÃO
DESTE TÓPICO
Escolástica não
é sinônimo de filosofia medieval e
nem filosofia religiosa.
Ë um sistema de exposição, ou um método, a serviço das
grandes teses que preocupam o pensador.
Estruturando-se na Europa ocidental, na época das
invasões dos bárbaros, enfrenta as piores condições para florescer.
Representa, sem dúvida, uma força construtiva de
agregação do pensamento humano, no que teve de melhor, de mais sério, de mais
coerente, tendo tido o condão de despertar o espírito para a visão panorâmica
das grandes teses.
Combatida desde o início, por inteligências vigorosas,
opôs sempre, argumento contra argumento, refutando o erro com a luz da razão.
Ressurgiu mais poderosa depois que os averroístas a
criticaram, enfrentou noutro período os adeptos da reforma, triunfou contra os
dissidentes, enfrentando ocamistas, neo-averroistas e, no renascimento, os humanistas,
entre os quais Erasmo (1515-1572), bem como os helenizantes, separados nos grupos de Roterdão (1467-1536), Pierre La Ramée ou Petrus
Ramus dos alexandristas (Pomponazzi
e Escalígero) e dos averroístas (Zimara,
Aquilini e Nifo).
No século XVI, principalmente depois do Concílio de
Trento, opondo-se ao movimento reformista, ressurge a escolástica na Espanha,
propagando-se à Itália e Bélgica.
Bastariam dois nomes para celebrizar este período
renascentista da escolástica, Francisco Vitoria (1480-1556) e Francisco Suárez
(1548-1617).
4.4 SANTO
TOMÁS DE AQUINO
4.4.1 A
FIGURA DE SANTO TOMÁS
Santo Tomás de Aquino (1225-1274),
descendente de nobre estirpe, unido por laços de sangue a várias famílias imperiais, nasceu no castelo de
Roccasecca, tendo estudado primeiro no mosteiro de Monte Cassino, depois em
Nápoles, onde estudou o trivium com
Pedro Martin e o quadrivium com Pedro de Ibernia. Em Paris, conhece o grande Alberto
Magno, de quem se torna discípulo e amigo e, mais tarde, mestre. Ensinou em
inúmeras universidades da Europa e morreu, aos 47 anos, quando se preparava
para participar do Concílio de Lião.
Pela pureza do espírito e profundidade de seu gênio foi
cognominado o doctor angelicus.
4.4.2 RELAÇÃO DE
SUAS OBRAS
A obra de Tomás de Aquino é volumosa, mas a mais
importante é a notável exposição sistemática de suas conclusões e também de
toda a escolástica que se encontra na Suma
Teológica (Suma é o mesmo que resumo,
síntese, visão panorâmica), ou seja, na Síntese
Tomasiana, conjunto harmônico, sistemático e ordenado da ciência teológica e filosófica, expressão amadurecida e
definitiva do pensamento tomasiano.
Da variada obra de Santo Tomás, algumas têm interesse
mais apologético ou de exegese, como a Catena
aurea super quattuor Evangelia, cadeia de ouro sobre os quatro Evangelhos,
outras são de natureza teológica, dogmática ou jurídica.
Ao nosso estudo interessam os Comentários a Aristóteles, exposição e crítica ao pensamento do
estagirita; os Opúsculos, leves
ensaios de filosofia ou de teologia, ricos de ensinamentos, como, por exemplo,
o De ente et essentia, sobre o ente e
a essência; o De unitate intellectus, sobre
a unidade do intelecto; o De principio
individuationis, sobre o princípio da individuação. As Quaestiones quodlibetales e as Quaestiones disputatae (De veritate, De
Anima, De potentia), a Summa contra gentiles e o Compendium theologiae ad Reginaldum completam os mais importantes
trabalhos filosóficos e teológicos do doutor
angélico.
4.4.3 O QUE É
“TOMISMO”
Derivado de Tomás, o substantivo “tomismo” é empregado,
de modo geral, para designar o conjunto das doutrinas expostas por Santo Tomás
de Aquino, em suas numerosas obras.
Mais comumente, num sentido amplo, tomismo é o conjunto das doutrinas inspiradas em Santo Tomás , quer na
idade média, em que quase sempre se opõe tomismo
a escotismo ou a ocamismo, quer na época moderna, em que
um vivo movimento de volta às idéias fundamentais desta filosofia se verifica
sob a influência, em fins do século passado, da encíclica Aeterni Patris (1879), em que o papa Leão XII recomendava uma
adaptação da doutrina geral do doutor angélico aos resultados atingidos pelas
pesquisas científicas contemporâneas, movimento esse conhecido sob o nome de neotomismo.
Enfim, tomismo ou
é a doutrina de Tomás, ou é a doutrina dos seguidores e comentadores medievais
de Tomás; em nosso dias, tomismo ou neotomismo é ou a adoção, pura e
simples, da doutrina ortodoxa do mestre ou sua adaptação aos nossos dias.
4.4.4 O SISTEMA
DA FILOSOFIA TOMISTA
O pensamento integral da filosofia e teologia tomista
está exposto na maior construção arquitetônica de todos os tempos, infelizmente
inacabada, por morte prematura de seu quase divino construtor.
Método, clareza, lógica, ordem nas idéias, divisões e
subdivisões, tudo se vai dispondo de maneira extraordinária.
Os pensadores que antecederam o mestre trataram, de
maneira esparsa, aqui e ali, de grandes teses filosófico-teológicas, nunca,
porém, em conjunto, de maneira integral e panorâmica, como fez Tomás de
Aquino, na Suma Teológica.
Divide-se a Suma em
três partes maiores, cada parte se
resolve em questões, as questões em artigos.
A
primeira parte estuda Deus, o Anjo e o Homem; a segunda parte é consagrada à
moral; a terceira parte estuda a encarnação do verbo, os mistérios de suas
humilhações e vitórias. Interrompe-se a obra na altura em que seu autor
principia a explicar os Sacramentos.
Encerra a Suma 613
questões, 3.106 artigos e mais de 15.000 argumentos sobre pontos de moral e de
dogma, sempre seguidos de citações dos Santos Padres.
Salienta-se Santo Tomás no campo da lógica, da metafísica, da
antropologia, da gnoseologia, da cosmologia, da
ética, da teodicéia, da política, da filosofia e teológia.
Em lógica, Tomás
é um aristotélico, utilizando-se da parte formal do raciocínio estagirita; na metafísica, com maior amplitude do que o
mestre grego, Tomás revive as noções de atos e potência, expõe o problema das
categorias, detendo-se na substância e nos acidentes, discorre sobre as quatro
causas e faz a distinção fundamental entre ente e essência; na antropologia, explica a união entre alma
e corpo, a primeira, princípio imaterial que se une ao corpo, como a forma à
matéria, o ato à potência, formando um composto substancial — o homem, que,
quanto à vontade, é livre; na gnoseologia
ou teoria do conhecimento, Tomás
revive o princípio do nihil est in
intellectu quod prius non fuerit in sensibus, nada há no intelecto que não
tenha estado nos sentidos, básico para o seu sistema e interpretado de maneira
clara e precisa. No conhecimento, só existente mediante a relação entre sujeito cognoscente e objeto conhecido o primeiro procede a
uma assimilação vital do segundo. Há dois tipos de conhecimentos, o sensitivo e o intelectual. Por meio de ambos a alma entra em contato direto e
imediato com a realidade; na cosmologia, aceita
a doutrina dos quatro elementos, da incorruptibilidade dos astros, da composição
dos corpos em matéria e forma; na ética, mostra
que o fim último do homem é procurar a posse do bem infinito, jamais dos bens
finitos, que envilecem a dignidade humana; na teodicéia, Santo Tomás atinge momento de grande esplendor,
superando os argumentos de Aristóteles na demonstração da existência de Deus;
na política, exposta no opúsculo De regimine principium, Tomás sustenta
que “quando os seres livres, reunidos em sociedade têm um soberano que zela pelo
bem comum, a sociedade, o governo é reto, justo e convém aos homens livres;
enfim, na filosofia e teologia, mostra o mestre as relações
harmônicas entre a razão e a fé, provando que a filosofia e a teologia são
duas ciências distintas, sem dúvida, mas não antagônicas. Poderá haver muitas
vezes a coincidência do objeto material,
de ambas as ciências, a existência de Deus, por exemplo, mas cada uma delas
(objeto formal) encara o mesmo objeto, por ângulos diversos.
4.4.5 O ESCOLA
TOMISTA
O tomismo fez
escola. Encontrou adeptos que o seguiram, citando-se, entre eles, Pedro
Tarentaise, professor de teologia e provincial dos dominicanos, que resumiu e
defendeu as grandes teses do sistema; Vicente de Beauvais, autor do Magnum Speculum; Oilles de Lessines e
Herveu de Nédellec.
Enfim, Dante Alighieri, escrevendo, em versos, o poema
famoso a Divina Comédia, expõe com
grande beleza poética as idéias mais correntes do tomismo, podendo-se, com
certa razão, afirmar que a Divina Comédia
é a Suma Teológica posta em
versos.
4.4.6 OS ANTI-TOMISTAS
O espírito brilhante e polêmico de Santo Tomás de Aquino
iria, evidentemente, suscitar oposição no seio da própria Igreja, chegando-se
mesmo a proibir a defesa e exposição de algumas teses do doutor angélico. Com o
tempo, entretanto, serenaram os ânimos, esfriaram as paixões e a doutrina de
Tomás volta a propagar-se, ganhando novos adeptos.
Entre os mais veementes opositores, citam-se os nomes,
hoje quase desconhecidos, de Guilherme de La Mare , que escreveu contra Tomás o livro Correptorium fratris Thomae, e João
Peckham, arcebispo de Cantuária, que proibiu a divulgação de algumas teses
tomistas.
4.4.7 CONCLUSÂO
Impossível é negar a evidência. Santo Tomás de Aquino,
aceitando ou reformulando o que de melhor produzira o gênio grego, em
especial, Aristóteles, revive as teses máximas de Santo Agostinho, passa pela
filosofia judaica e árabe, para compor o mais extraordinário conjunto
arquitetônico teológico-filosófico de todos os tempos, edifício que há mais de
700 anos resiste a todas as invectivas que contra ele se levantam — a Summa Theologicae, sistema coerente e
sintético, onde se refine o que de melhor produziram as inteligências do mundo
pagão e cristão, convergência possível pelo espírito lógico e inspirado que tudo
fundiu, numa contribuição humana, em que transparece o divino.
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