sábado, 15 de junho de 2013

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRUSQUE - UNIFEBE
CURSO DE FILOSOFIA
II FASE – I SEMESTRE / 2004

Prof. Dr. Nivaldo Alves de Souza


INTRODUÇÃO:  SIGNIFICAÇÃO  DA  IDADE  MÉDIA


-    Ela não só copiou os códices antigos, mas assegurou, em suas escolas, a continuidade da problemática filosófica.
-    Não se pode ler os filósofos modernos sem conhecer os conceitos e os problemas medievais.
-    O rigor lógico do pensamento e o caráter objetivo do conceito de ciência.
-    O patrimônio da filosofia medieval está presente, hoje, na assim chamada “filosofia medieval”.
-    Os principais temas da Filosofia medieval: criação, razão e universais.


1.0                  CARACTERÍSTICAS FILOSÓFICAS DO CRISTIANISMO

1.1  PERÍODO CRISTÃO DA FILOSOFIA GREGA

1.2  O  CRISTIANISMO E FILOSOFIA

O Cristianismo realiza uma divisão profunda na história da filosofia. Jesus Cristo não se apresenta como o fundador de escola a exemplo de Platão e Aristóteles. Veio não para ensinar uma filosofia, mas a “Verdade do pai”. A mensagem cristã atinge o ser profundo do homem. As verdade fundamentais de caráter filosófico são análogas (semelhantes) às das religiões. Isto é, na mensagem cristã estão presentes algumas verdades que passamos a considerar:

1. Crença num Deus pessoal, distinto do mundo (concepção medieval do teísmo).
2. Noção de criação a partir do nada (verdadeira concepção do cristianismo).
3. Espiritualidade e imortalidade da alma.
4. Ética, entendida como liberdade humana perante a ordem estabelecida por Deus.
5. A conversão se dá  num dinamismo moral.
6. A vida eterna como um retorno à casa do Pai.

A filosofia cristã vem a ser um momento de encontro entre a filosofia grega e a Verdade Revelada. Os dois grandes momentos da Filosofia Medieval, no seu todo, são:

1     PATRÍSTICA: Está situada entre os séculos III e VIII. É o momento da filosofia platônica.

É neste tempo que acontece a construção da Teologia Católica.

2     ESCOLÁSTICA: Vai do século IX até o século XV. É o momento da filosofia aristotélica. É neste momento que se dá a criação propriamente dita do que chamamos “filosofia cristã”.
Na escolástica se manifesta a filosofia que procura a compreensão racional das verdades reveladas. “Ïntellige ut credas, crede ut intelligas” (crê para que entendas, entenda para que creias)

A perspectiva da filosofia não é mais a procura da verdade (já a possuem), mas sim explicá-la. É o tempo da: “intellectus fidei” (trata racionalmente seu objeto, parte da fé, procura inteligir a fé).
Os primeiros escritos foram as cartas de São Paulo, escritas num grego helenistico e que fazem transparecer a cultura de São Paulo. Paulo conhecia bem o modo de pensar próprio da época e sua. Sua pregação estava cheia da cultura grega. Os Evangelhos são escritos em grego (escritos por judeus). A mensagem dos Evangelhos  é de um universalismo cristão (“Deus quer que todos os homens se salvem”)
Atos dos Apóstolos capítulo 17, 16-34: Paulo no Areópago de Atenas. Paulo assume uma atitude contra a Filosofia ou sabedoria do mundo: Carta aos Colossenses, 2, 8 e Coríntios I e II.
A verdade revelada foi-nos transmitida através das categorias gregas.

LER:

Francois CHATÊLET. História da filosofia, vol. II, p. 15-54;

Nicola ABBAGNANO. História da Filosofia, p. 109-118;

Etiènne GILSON. História da filosofia cristã, p. 09-22 (Introdução)

2.  A PATRISTICA

É o tempo das especulações dos “Padres da Igreja” (primeiros séculos do cristianismo)
a) Período de formação: séc. II-III
b) Período do apogeu: séc. IV-V
c) Período da transição: VI-VIII (quando se dá a passagem para a escolástica)

A origem da especulação patristica: Temas especulativos vão adquirindo lugar no cristianismo, por dois motivos: heresias (necessidade de maior precisão conceitual) e reação intelectual do paganismo (São Paulo no Areópago, Atos, 17).
Os primeiros séculos são de formação da dogmática cristã. A Igreja tem que responder aos ataques intelectuais no mesmo nível. Lança mão de instrumentos mentais: conceitos filosóficos gregos (os apologetas do séc. III são, em geral, convertidos).

O ensinamento básico: o cristão possui a fé, mas não a possui como um absurdo e sim por ter razão de possui-la.

2.1      A PATRÍSTICA GREGA (apolegetas gregos)

2.1.1 JUSTINO (100-163) ou (100-166 ou 170?) nasceu em Nablus, antiga Siquém, na Samaria. Convertido ao cristianismo. Estudou muito a filosofia grega, principalmente a dos cínicos da época imperial tendo andado com eles e até mesmo vestido o seu manto de filósofo. “A filosofia é a ciência e o conhecimento da Verdade; a felicidade é o prêmio desta ciência e desta sabedoria”. “A filosofia é aquilo que nos leva até Deus e nos une a Ele”. Frequentou diversas filosofias na busca da verdade para solucionar o problema da vida: peripatética, estóica, pitagórica, platônica. Justino conserva uma forte base platônica

OBRAS: “Diálogo com o judeu Trifão”, 2 Apologias

Nova concepção de filosofia: filosofia é um converter-se.
Ele diz que converter-se é tornar-se filósofo da verdade. O cristianismo o ajudou a ser filósofo. Diz ele que o cristianismo tinha todas as verdades de Platão.

DOUTRINA DO LOGOS: torna-se o 1° filósofo cristão. Diz que não podemos condenar os filósofos gregos por não terem tido a revelação; “Eles chegaram até o limiar da verdade”; o que existia de verdade (já) era participação no Lógos.

Lógos Total: Cristo Os filósofos que mais se aproximaram de Cristo foram Sócrates, Platão, os estóicos. Neles  existiam pensamentos dos Lógos. Justino diz que Platão era mais cristão que platônico. Já havia verdades cristãs na filosofia grega.

Mérito: introduzir a filosofia grega no cristianismo.

2.1.2  IRINEU (Séc. II ou 130(140) - 202). Bispo de Lion (França)

Defendeu o cristianismo de maneira teológica.
Obra famosa: “Adversus haereses”. Outra: “Demonstração da pregação apostólica”
Nele há uma oposição entre fé (pistis) e a iluminação  especial dos gnósticos
Refuta a falsa gnósis. A verdadeira gnósis só pode ser  verdadeiramente alcançada  pela revelação que coincide com a doutrina da Igreja.

2.1.3 ESCOLA DE ALEXANDRIA

Pelo século III se dá   um progresso filosófico do pensamento cristão, cujo centro era Alexandria do Egito.
A escola de Alexandria era célebre como escola catequética  (Didascaleion), espécie de faculdade de Teologia. Teve alguns luminares, dentre os quais se destacam: Clemente e Origenes. Ambos tornaram conhecida a filosofia cristã.
É a 1ª escola de educação superior: iniciou uma sistemática, começou a ensinar a filosofia (platônica, neo-platônica, estóica) e a dogmática.
Fundador: Panteno; 1° grande mestre: Clemente; maior expoente: Origenes.

2.1.3.1 CLEMENTE DE ALEXANDRIA (145-215). Atenas?

Convertido. No ano 200 foi diretor da escola de Alexandria.

OBRAS: Protréptico (Exortação); Pedagogo (Lógos); Stromata (Tapeçaria); esta era uma obra cheia de idéias da filosofia grega.
O núcleo de tudo (proposição básica): o Lógos, isto é, toda verdade procede da mesma fonte.
Judeus (profetas)
Lógos - plenitude : o Cristo ------: CRISTIANISMO (é a Verdade vista sob a luz da plenitude)
Gentios (Filósofos)
A lei (AT) é a pedagogia para Cristo. Pedagogo é quem diz que em Cristo se encontra a verdade absoluta.
O conhecimento tem uma tríplice divisão; (a) Filosofia (prepara para a fé); (b) a fé; (c) Gnosis: edifica a verdade sobre a fé. A gnosis é ainda o ponto mais alto a que o cristão pode chegar.

Clemente é eclético: isto é, não assume nenhuma filosofia de modo total (para ele a verdade está dispersa em toda filosofia). Através da fé é possível encontrar a verdade em cada filosofia.
Para se chegar à verdadeira gnósis é preciso de ascese e prática das virtudes. O gnóstico é aquele que possui o conhecimento verdadeiro de Deus e a caridade.

NOTA: A gnose: era uma heresia cristã relacionada com a filosofia grega da última época (Roma), com idéias neo-platônicas e com idéias do judeu helenisado, Filon, que interpretava alegoricamente a Bíblia. O saber gnóstico: é uma iluminação especial superior que é de “gnósis”. Durou até o Concílio de Nicéia em 325).
Na  gnose verdadeira, pois, devem estar juntas a filosofia, a fé e a caridade.
Com Clemente a Igreja não se coloca contra a razão. Pelo contrário, coloca-se a favor dela. A Igreja é a favor do homem. Em Clemente já encontramos o primeiro teórico do princípio: “a graça não destrói, mas eleva a natureza”.

2.1.3.2 ORIGENES (185-254): teólogo, exegeta

Foi discípulo e sucessor de Clemente na Escola de Alexandria. Viajou muito para se instruir. Ordenado sacerdote, foi logo depois “deposto” Não pôde mais exercer o ministério sacerdotal por ter algumas idéias heterodoxas e por ciúmes de outros na escola. Foi muito influenciado pela Escola de Alexandria. Refugiou-se na Cesaréia (Palestina), onde fundou uma escola de Teologia, tendo aí ensinado até o fim da vida (por 20 anos). Foi o principal pensador cristão antes de Agostinho. Leva a apologia até as últimas conseqüências. É o 1° que tenta provar as verdades do cristianismo e, assim, procura ser sistemático. O maior teólogo de espírito grego. Há quem diga que, considerando a quantidade de seus escritos, é o maior teólogo de todos os tempos.
Principais obras: “Sobre o Princípio”: síntese da Igreja Católica; “Contra Celso”: uma apologia. Da sua doutrina surgem, pela primeira vez, idéias sobre Deus que perduram até hoje:
DEUS: sumo transcendente. Está além do ser e da inteligência. É criador. Esta é uma noção importante para a filosofia posterior: criação do mundo a partir do nada por ato livre da vontade de Deus. Deus cria o mundo, não diretamente, mas por intermédio do Lógos. Quanto a criação do mundo, o Lógos é a idéia exemplar (o mundo é feito à imagem de Cristo). Deus deve ser criador desde toda a eternidade e está continuamente criando.
Quanto aos espíritos, via os anjos e os demônios como sendo naturalmente iguais, apenas distinguindo-se, de fato, por um ato de vontade contra Deus. É dele a reflexão, conhecida na Teologia, sobre a  “restauração” da natureza para Deus.

2.1.3.3 OS CAPADÓCIOS

Entre o pensamento da escola de Alexandria e Agostinho, surgirma doutrina dos assim chamados padres capadócios. É o século IV. Eram homens de profunda  cultura, formados na solidão do silêncio monástico e na ascese, Eram filhos de famílias importantes: Gregório de Nanzianzo (Deus); Basílio Magno (Mundo) e Gregório de Nissa (Homem).
A situação da época é aquela em que a Igreja Católica tornou-se a religião oficial do estado (Ver Edito de Milão).
É o período dos primeiros concílios que fudamentaram os principais  dogmas da fé católica: a pessoa de Jesus Cristo e o problema da SS. Trindade. Foi o período das grandes heresias. Nesta confusão de idéias surgem os três capadócios: homens de pensamentos seguros e que foram influenciados pela Escola de Alexandria sobretudo por Orígenes. Cuidaram de combater as heresias.



1. GREGÓRIO DE NANZIANZO (329-390)

Estudou teologia e filosofia em Atenas e escreveu uma obra importante: “Discurso sobre a Trindade”.
Seu alvo principal era combater o “arianismo” (negava a divindade de Jesus Cristo), afirmando que o cristão deve acreditar na Palavra de Deus e reconhecer os limites da razão.
Para ele, nem todo homem deve e pode falar de Deus, pois, para isso, eledeve estar voltado para Deus. Achou que se devia purificar o sentido egocêntrico e de um isolamento exagerado que eram marcas estóicas do cristianismo.
Enquanto os arianos achavam que Deus não pode ser trino porque não é compreensível, Nanzianzo tentava mostrar que a fé é superior à razão. Para ele, Platão, na obra Timeu, diz que é difícil falar de Deus. Baseado nisto, afirmava a incompreensibilidade de Deus.
Logo, podemos conhecer a existência de Deus, mas, com maior dificuldade, podemos falar de sua essência e aqui está o começo de uma maneira negativa de se falar de Deus (Teologia Negativa). Por exemplo, alguns atributos como: não corporal, não gerado, sem início, sem fim, etc...
A noção de Deus é aquela de “um mar infinito  de realidade em seus limites e totalmente isento de natureza (física) e é eterno”.
É o primeiro a dizer que não se pode chegar diretamente a Deus através das criaturas

2. BASÍLIO MAGNO (330-379)

Nascido em Cesaréia da Capadócia, tem o mundo como objeto de sua reflexão. Parte da idéia de que Deus é criador e daí tenta explicar o mundo: o mundo não é autônomo, porque criado.
Quanto à criação, ele faz uma crítica aos pensadores antigos (gregos), dizendo que eles fundamentaram o mundo “numa teia de aranha”. Diz que é necessário haver um criador, pois isto possibilita uma resposta suficiente. De Basílio, pois, temos a noção de criação ainda vigente: ”Deus deu existência ao mundo, no tempo, por ato aterno e intemporal”.
Alguns elementos importantes decorrem desta noção de Deus: (a) a impossibilidade de um mundo sem princípio; (b) o ato criativo é intemporal; (c) o tempo começa a existir com o mundo.
Basílio se caracteriza por fazer uma rrelação mais compreensível entre Deus e as criaturas.

3. GREGÓRIO DE NISSA (335-394)

Nascido em Cesaréia da Capadócia. É o maior filósofo entre os padres gregos da época. Sua preocupação é antropológica. Tenta fazer uma harmonia entre a fé e a razão, pois, para ele, a fé e a razão são distintas, mas devem colaborar mutuamente na busca da verdade.
Com a noção de Deus e da criação ele vê o homem como um ser composto e, ao mesmo tempo, “centro de tudo”.
Homem é um ser composto: Natureza divina, natureza humana e natureza animal – alma e corpo (homem)
É a dimensão do espírito que procede e que é a imagem e semelhança de Deus. O espírito: imagem e semelhança de Deus; o corpo; semelhança com o mundo. O homem não é apenas um espírito, mas um composto. Nisto, ele via uma necessidade, a exemplo de Orígenes, de tudo voltar para Deus. É a restauração de tudo em Deus.





3.0  PATRÍSTICA LATINA

Floresceu no norte da África, marcadamente na cidade de Cartago, cidade de cultura romana, Cartago adotou a língua latina,tornando-se muito prospera e considerada a Segunda capital do Império.
Pelos anos 200 já existia ali uma forte comunidade cristã e os cristãos eram perseguidos. É neste contexto que vamos falar de Tertuliano e Agostinho.

3.1 TERTULIANO (160-244)

É de Cartago. Jurista convertido ao cristianismo. Suas obras mais conhecidas são de cunho apologético:

a)      O apologeta; b) Sobre a prescrição dos hereges (a mais importante); c) Sobre a alma.

Tertuliano fez uso do conceito de “prescrição”, próprio do Direito Romano, aplicando-o  ao mundo cristão no tocante ao uso e “posse” das Sagradas Escrituras. “Prescrição”, pois, é o uso de um bem por um tempo sufuciente que dá título legal de propriedade. Aplica aos cristãos o direito de prescrição e nega-o aos gnósticos.
Usou a apologética para defender a ortodoxia cristã contra os gnósticos que procuravam fazer uma simples interpretação racional da Escrituras.

GNOSE x CRISTIANISMO

Para Tertuliano o cristianismo é o “dono” da mensagem evangélica porque foram os primeiros a usá-la e, além disso, os cristãos submetem a razão à fé.
Os gnósticos, por sua vez, invertem esta ordem, submetendo a fé à razão.
Tertuliano faz uma total oposição entre a fé e a razão. Dele é o seguinte pensamento: “Creio justamente porque é absurdo”.
Por isso, os cristãos são aqueles que têm a autoridade para falar da mensagem evangélica.
“Os profetas foram os patriarcas dos cristãos; os filósofos foram os patriarcas dos gnósticos e dos heréticos” (Chatêlet, p. 74).
“Pois, não foi para batizar que Cristo me enviou, mas para anunciar o Evangelho, sem recorrer à sabedoria da linguagem, a fim de que não se torne inútil a cruz de Cristo” (I Cor. 1, 17).
“Pois quem conheceu o pensamento do Senhor para poder instrui-lo? Nós, porém, temos o pensamento de Cristo” (I Cor. 2, 16).
Tertuliano ensina uma doutrina (influência estóica) materialista sobre o homem e Deus.

 A ALMA: Corpo é tênue e engendrado pelos pais (assim também explica a transmissão do pecado original).
DEUS: é extremamente sutil. Nesta sutileza está a semelhança entre Deus e a alma humana. “A alma é naturalmente cristã” (“anima humana naturaliter christiana”).

2.2 AGOSTINHO (13/11/354 – 28/08/430)

É O MAIOR SÁBIO DO CRISTIANISMO

Nasceu em Tagaste (Numídia, perto de Cartago), na África. Com Tertuliano, ele é filho daquela África romanizada e cristianizada, semeada de heresias.

Pai: Patrício (pagão, foi batizado)
Mãe: Mônica (cristã fervorosa)
Teve uma mocidade profundamente desviada moral e intelectualmente. Textos inspiradores da conversão: Rom. 13, 13-14 e  I Cor. 6, 12-20.

Conversão: 386 (33 anos). Foi batizado por S. Ambrósio, em Milão.
Ordenado sacerdote: 391
Ordenado (sagrado) bispo: 395. Foi bispo de Hipona até morrer em 430 (75 anos).

. As perseguições aos cristãos já haviam terminado.
. Surge o Pelagianismo (heresia) que acentua muito a liberdade humana chegando a negar a graça.
. Sua filosofia está muito relacionada com a sua vida.
. A base de sua filosofia está na filosofia platônica (também ele não é sistemático).
. Agostinho domina toda a patrística, assim comoTomás de Aquino dominará toda a Escolástica.

2.2.1     OBRAS (94)

. “Confessiones” (teol.): Relato de sua vida passada, relato de seu estado de espírito, relato do louvor a Deus.
. “Retractationes”: Obra crítica de Agostinho...revisão de suas obras.
. “Contra Academicos” (fil.): Contra o ceticismo.
. “De beata Vita” (fil.): Sobre a vida feliz que se encontra na verdade divina e o homem a encontra em união com Deus
. “De ordine” (fil.): Trata do problema do mal e da Providência Divina.
. “Soliloquia” (fil):  Monólogo sobre a sabedoria cristã.
. “De Imortalitate Animae” (fil.): continuação do Soliloquia.
. “De quantitate Animae” (fil.):  Trata da imaterialidade da alma.
. “De Musica” (fil.): Trata das artes. Sua finalidade é levar o homem ao eterno.
. “De magistro” (fil.): Função da linguagem. Sobre Cristo que é o Mestre.
. “De Vera Religione” (teol.): Contra os maniqueus
. “De Trinitate” (teol.): Sobre a SS. Trindade.
. “De Libero Arbitrio” (fil.): O problema do mal e da liberdade humana.
. “De Civitate Dei” (teol.): Filosofia da História. Apologia do Cristianismo.

A filosofia de Agostinho é o caminho de seu encontro com Deus.
O princípio da filosofia é o encontro na admiração. Para ele o princípio da filosofia é o amor a Deus que é expresso no desejo de felicidade (o homem sente tal desejo e este só pode ser satisfeito em Deus). “Nada é, para o homem, causa do filosofar que não seja a felicidade”.
Assim, a verdade não é especultiva, mas salvadora. Agostinho sofreu uma dupla conversão:

a)         Conversão intelectual: foi ao maniqueismo e ao ceticismo da Nova Academia. Rejeitou tudo isto e passou ao Neoplatonismo.
b)         Conversão moral: Com base nos sermões de S. Ambrósio (Milão) e nas conversas com Simpliciano (sacerdote que lhe falara da conversão do neo-platônico Vitorino) e pela leitura do Novo Testamento (Rom. 13, 13-14 e I Cor. 6, 12-20).

Desta forma a filosofia não é neutra, ou é cristã ou não é filosofia.
Não vê possibilidade entre de separação entre a filosofia e religião. Para Agostinho há consenso muito íntimo entre fé e razão (são inseparáveis). Se a fé nos leva à adesão, deve levar-nos à compreensão. A fé precede o saber, o saber tende para a fé. É preciso ter razões para se ter fé (“intellige ut credas, crede ut intelligas”).
“A fé que procura a compreensão” – “fides quaerens intellectum”. Creio para compreender” – “credout intelligam”
Com relação à fé a razão tem duas missões: procurar as razões naturais para crer; procurar a inteligência do que se crê.
Neste mundo o objeto de nossa fé é maior que nosso entendimento.
O homem deve crer neste mundo para que na eternidade ele possa ver o que ele creu.
“A fé e a razão  são de tal modo inseparáveis que o filósofo não deve separar o que Deus uniu”.
A fé e a razão, conjuntamente, dão a possibilidade do homem se encaminhar para a verdade (e esta só se encontra em Deus).

O homem deve procurar a verdade:

Ab exterioribus ad interiora
Ab interioribus ad superiora

Deus é mais íntimo do que meu íntimo

Agostinho procura conhecer Deus e a alma humana. O centro do pensamento dele é procurar Deus através da alma humana. Juntamente com a fé e o saber, está o amor que completa a sabedoria cristã

2.2.2     NOÇÃO DE DEUS

Deus é a fonte criadora e origem de todo o ser.
Tríplice função do ser:
a)     Fonte do ser das coisas como criador (Metafísica -Física)
b)     Fonte da verdade das coisas como luz intelectual (Conhecimento - Lógica)
c)     Fonte da bondade das coisas por sua graça (Ética -Moral)

2.2.3     CONHECIMENTO

Admite que tanto os sentidos, como o intelecto são fontes de conhecimento. Pra a visão sensível é preciso, além dos olhos e das coisas, também a luz física. Da mesma forma, para o conhecimento intelectual é necessário a luz espiritual que vem de Deus (verbo de Deus para o qual são transferidas as idéias de platão).
É o precursor da atitude de dúvida antes de aceitar algum conhecimento...uma dúvida que desperte a necessidade de uma crítica.

Existe a verdade? O que é a verdade?

Existe a verdade? Para justificar a existência da verdade, Agostinho faz apelo à consciência. É no julgamento de consciência que a verdade aparece de imediato ao homem. O julgamento de consciência é feito pelo sujeito conhecedor por uma experiência imediata.
No caso do erro, está um fundamento da verdade: “Se, na verdade, me engano, sou” (“si enim fallor, sum”).

Tal julgamento de consciência é uma intuição intelectual da verdade. Como temos uma intuição sensível, temos também uma intuição intelectual.
A verdade é buscada na sua existência no ínterior do próprio homem.

O que é a verdade? Não é a minha verdade, não é limitada.
É eterna e necessária.
Não pode depender de sujeitos conhecedores nem de condições.
Ela se comunica a todos que vêem realidade imutáveis...”Ela é a luz que ilumina a todo homem que vem a este mundo” (Jo. 1, 9).

Donde vem a verdade para o homem?
Não pode vir dos sentidos (pois eles estão em contato com o que é e com o que não é).
Não pode provir da inteligência (se dela viesse seria verdade de cada um e ela deve ser verdade de todos).
Não é a inteligência que cria a verdade, mas a encontra
Não é a intteligência que mede, ou avalia a verdade, mas é a verdade que mede a inteligência.

Desta forma, a verdade não está nem fora, nem dentro do homem, mas acima dele.

2.2.4     TEORIA DA ILUMINAÇÃO

O homem para conhecer a verdade deve ser iluminado por Deus.
A idéia de Bem de Platão: ilumina as idéias e as torna contempláveis.
Para haver conhecimento, o homem deve estar iluminado por Deus...Deus é a luz.
“Deus é o sol da alma e o mestre interior” (De Magistro)
“Para ser, a alma precisa do criador e para conhecer, ela precisa também do Mestre” (De Magistro)

2.2.5     METAFÍSICA

A existência de Deus é provada a priori, enquanto no espírito humano haveria uma particular presença de Deus. Esta presença de Deus está na Verdade de Deus, no Verbo de Deus que ilumina nosso conhecimento.
Quanto à essêncial Deus é infinito, eterno, imutável, espírito, pessoa
Deus é o fundamento de toda a metafísica. Mas, Deus existe? O que é Deus? Qual a relação de Deus com o mundo?

Deus existe? Busca-se Deus no mundo exterior. Volta-se para o mundo interior, mas vendo os próprios limites no seu interior, o homem deve descobrir que a alma não é Deus.
Logo, Deus não é exterior, nem interior, mas é superior. Deus é o fundamento do exterior e do interior. Deus é a exigência de tudo o que é.
O homem conhece a Deus porque Deus se deixa a conhecer e porque dá, ao homem, esta possibilidade.
O homem busca Deus no exterior, vai ao interior, mas só o encontra no SUPERIOR.
Mas, o homem na procura de Deus pode fixar-se no menos perfeito: as criaturas (podendo tomá-las por Deus – idolatria). Especulando, porém, sobre as criaturas, conclui-se que elas não são Deus.

O que é Deus? É aquele que deve ser buscado, que é infinitamente incompreensível
Devido a imutabilidade de Deus eu impedido de falar dele positivamente (teologia negativa).
Segundo Platão, Deus é o Bem de todo bem. O relacionamento de Deus com o mundo se dá por base platônica:

a)     Participação: Tudo o que não é Deus, participa de Deus no plano do ser, da verdade e do bem. Tudo o que é, é porque é participação da Trindade (Verdade). Nesta colocação está a base da criação.
b)     Exemplarismo: O mundo das idéias exemplares não é independente Deus. Reside na inteligência divina (Cristo) que é consubstancial ao pai (é a recapitulação do “lógos” dos Padres da Igreja) como protótipo de todas as coisas criadas.
A alma humana é especialmente imagem  da Trindade...então, o homem é, conhece e ama, assim como a Trindade é, conhece e ama.
O homem conhecendo-se a si mesmo, conhece a Deus. Todo conhecimento vem acompanhado da PRESENÇA ILUMINADORA de Deus. Pelas próprias forças o homem não pode conhecer. O homem deve ser iluminado.
Graça X Pelagianos: conhecimento e graça estão relacionados. Para se chegar (ao conhecimento pleno) a Deus é preciso da graça.

2.2.6     COSMOLOGIA ( DEUS E O MUNDO)

Mundo: foi criado do nada pela vontade onipotente de Deus.
Deus: é o criador desde toda a eternidade

“RATIONES SEMINALES”: Deus coloca na matéria (a “ratio seminalis”) as “rationes seminales” de todas as coisas. As RS são princípios seminais, forças vitais que se desenvolvem por circunstâncias oportunas sob o influxo divino, produzindo espécies diversas. As RS são germes de toda a realidade (germes específicos de todos os seres) que se desenvolve pelas circunstâncias do mundo e pelo concurso de Deus. No ato criador foi depositado toda força do desenvolvimento posterior.

O problema do mal: mal físico e mal moral.

O mal foi alvo de particular especulação. O mal é privação de bem, privação de ser. O bem  mostra que os seres são bons em si mesmos, em razão de sua origem: imitação das idéias eternas (Verbo de Deus) e de seu destino: todo ser louva a Deus.
O mal físico não é um dado positivo, mas é privação.

O mal é, fundamentalmente, privação do bem (de ser): este bem pode ser não devido (mal metafísico) ou devido ( mal físico ou moral) a uma determinada natureza; se o bem é devido, então, nasce o verdadeiro problema do mal.

a)      O mal físico: decorre da finitude da criatura (de sua natureza), ser limitado e imperfeito.
Todo mal existe em benefício do todo. O mal funciona como um dinamismo na progressão até Deus.

b)      O mal moral: não é criado por Deus. Deus apenas o permite para maior bem do homem. “É melhor tirar o bem do mal, do que suprimir o mal, segundo o pensamento de Deus”. O mal também concorre para maior manifestação dos atributos de Deus.

2.2.7     O HOMEM

O homem é compreendido segundo Platão: corpo e alma e a alma tem o corpo e o dirije. Para Agostinho o que mais interessa é a alma.
Alma: Tem caráter negativo: (a) imaterial. Tem também caráter positivo: (b)  substancial: (c) possui seus atos como próprios e distintos; (d) é espiritual: os atos da inteligência e da  vontade não podem ser explicados pela matéria; (e) é imortal: o desejo da felicidade não pode ser frustrado; (f) pode conhecer o que é eterno e imutável e, por isso, deve ser também eterna e imutável.

ORIGEM DA ALMA: As “rationes seminales”  colocam Agostinho no rótulo de traducianista (traducianismo ou geracionismo). Não é bem claro! Também não repele o criacionismo. Parece dizer que a alma e o pecado original vêm à luz pelos pais. Os pais tê as “rationes seminales” dos filhos.

2.2.8     ÉTICA

Agostinho ensina que o homem tem livre vontade e que Deus é o seu fim último. O homem deve tender livremente para o seu fim.

Liberdade psicológica (livre arbítrio): capacidade de agir ou não agir, de agir assim ou não assim. Esta nunca pode ser perdida pelo homem.
Liberdade moral:  capacidade de escolher obem ou o mal...esta depende da responsabilidade do homem

Ação: é acentuada a função da vontade do homem. Ele mais voluntarista do que intelectualista. O homem deve voluntariamente desapegar-se do exterior e voluntariamente apegar-se ao superior. Escolher algo inferior é tornar-se escravo. A alma se torna má quando se prende em alguma parte da ascensão para Deus.O homem deve estar em contínua procura de Deus. O lugar do coração humano é Deus””o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Deus”.
A ética de Agostinho, pois, se funda sobre a caridade (felicidade é a posse de deus pelo amor – “dilige et quod vis, fac”).

2.2.9     FILOSOFIA DA HISTÓRIA

“Civitas Dei” é uma teoria da história. Interpreta a história sob o prisma cristão: observa que toda a evolução, todos os acontecimentos estão sujeitos à Providência Divina.
Há uma contínua tensão entre a cidade celeste e a cidade terrestre.
A cidade terrestre deve se conformar à cidade celeste. E isto acontecerá pelo amor que é o único mandamento da Nova lei.
A cidade celeste coincide com o Reino de Deus pregado por Cristo e que já começou.

Dois amores: um voltado para a cidade terrestre; outro voltado para a cidade celeste.

A influência  de Agostinho sobre a história da filosofia é muito forte. Mais que Platão, Agostinho influenciou a vida ocidental, istto porque ele faz uma síntese de todas as aspirações humanas:

Une o conhecimento reflexivo com o conhecimento intuitivo.
Une a interioridade com a objetividade (critério de verdade)
Une o humanismo com o teocentrismo.
Agostinho, encontra sua perfeita autonomia em Deus e não em si.




3.0 A  FILOSOFIA  MEDIEVAL  PROPRIAMENTE  DITA

Duas fontes a alimentaram: a filosofia grega e a patrística. Além destas duas fontes foi importante a influência da filosofia arabe e judaica. Que, a seu modo, relacionaram suas tradições religiosas com as tradições do Alcorão e do AT, com a filosofia grega.
pensamento grego tem uma decisiva influência sobre ao pensamento medieval: os Padres da Igreja, sobretudo, Agostinho. É o velho princípio de que ninguém faz filsofia senão através de Platãoe Aristóteles.
Alberto Magno faz uma filosofia diferente destes dois filósofos. Foi mais um cientista, assim como dizemos hoje.
Aristóteles, no século XIII, começa a ser mais conhecido , porque além da Lógica, difundiram-se também sua Psicologia e Metafísica.
Pelos séculos XII e XIII é que ele é conhecido como “o filósofo”. E isto deve-se a Tomás de Aquino
A maior presença de Aristóteles se dá na Espanha quando a filosofia cristã entra em contato com a filosofia arabe e judaica.
Além das influências de Platão e Aristóteles, ocorreu a influência do estoicismo, epicurismo e ceticismo.
Ao lado dos filósofos gregos, os Padres da Igreja são muito importantes para o período da Escolástica que foi justamente precedido pela Patrística.

3.1 ÉPOCA DE  TRANSIÇÃO (séc. V-IX)

Com a morte de Agostinho se dá o início do período medieval. Num longo período, do séc. V-IX, se dá uma lacuna no pensamento filosófico.
O mundo da época se altera com a queda do Império Romano do Ocidente (476) não havendo mais uma unidade política, pois os povos bárbaros se precipitaram sobre a Europa.
A cultura clássica começa a perder sua força e cada povo começa a ter uma comunidade política própria. É assim que surge a cultura clássica como um esforço para salvá-la. Assim é que se entende a presença dos chamados “intelectuais”, nestes quatro séculos, que não fazem outra coisa senão “compilar”. Destacam-se: Isidoro de Sevilha, Boécio, Cassiodoro, Beda o venerável. Marciano Campanella.
O saber dos antigos e Padres da Igreja ainda existe, mas sem o rigor intelectual, sem ordem e sem grandes distinções. Estes quatro séculos, porém, prepararam o terreno para a filosofia posterior.

3.2 CARACTERÍSTICAS DA ESCOLÁSTICA

1.    Realismo: a filosofia aristotélica continua presente e inspira uma busca de conformidade do intelecto humano com a realidade.
2.    Pluralismo: aceita-se a pluralidade dos seres e de seus diversos graus.
3.    Concepção orgânica da realidade: atividade interna em oposição ao mecanicismo moderno que só admite uma extensão e um movimento local.
4.    Teocentrismo: Deus é o centro de tudo (não é ‘domínio’ de Deus sobre o homem)
5.    Personalismo: valorização do homem (é o homem ocupando o seu lugar próprio)
6.    Análise lógica e minuciosa dos problemas particulares: quanto ao método.
7.    Construção de um sistema geral do saber humano: visão ordenada da produção das ciências
8.    Orientação aristotélica das suas preocupações especulativas : harmonia das suas teses com as verdades reveladas.

 

3.3  TEMAS  IMPORTANTES  DA  IDADE  MÉDIA: A RAZÃO, A CRIAÇÃO E OS UNIVERSAIS

3.1.1 A RAZÃO: A Idade Média acentuou o valor da razão como instrumento próprio do ser humano, sobretudo no referente às ciências físicas e humanas...
 Não via nela oposição à fé, que, por sua vez, é o meio próprio do homem conhecer as ciências reveladas. A fé e a razão, a teologia e a filosofia são reforçadas na sua autonomia. Isto se deve às reflexões que filósofos e teólogos anteriores fizeram.

3.1.2  A CRIAÇÃO:  É um problema particularmente metafísico e especificamente cristão. A reflexão cristã da época é feita sobre a nihilidade do mundo e a sua contingência. O mundo é entendido como sendo “um ser-por-outro”. Para entendermos a criação, é preciso entendermos, antes, conceitos como: tempo e nada.

A)   TEMPO:  A criação como toda vontade de Deus é eterna. Porém, a sua realização se dá no tempo. O ato da vontade de Deus é eterno porque sucede de eternidade em eternidade. O tempo começou com o nosso mundo visível (Basílio Magno)

B)   NADA:  É um pensamento específico e  permanente no cristianismo. Ele é próprio da relação existente entre Deus e o mundo criado. A relação é constante, o que nos faz entender  melhor o sentido de conservação, de criação contínua. Isto só pode acontecer porque a sua razão de ser como criação depende de Deus (vide as “RS”  de Agostinho). Criação é ausência de entidade “em si” e “por si”. O nada é expressão enfática do ser.

3.1.3 OS UNIVERSAIS: É o assunto que “enche” a Idade Média. Eles são conceitos que aplicam nos juízos ou ainda são as idéias (conceitos), ou, ainda mesmo, é aquilo que pensamos que uma coisa é (a essência de todas as coisas que designamos pelo mesmo nome).
Os conceitos são atos de nossa mente e vêm expressos por um nome, por uma palavra, por isso surgem algumas questões ligadas ao universal. Quais são elas?

1.     A realidade dos universais está toda no nome (palavra)?
2.     Aos universais corresponde alguma coisa do mundo dos objetos que estão fora da mente?
3.     Qual é, pois, a relação que o universal tem com o individual?

Dois filósofos, por primeiro, tentaram  fundamentar os universais: Platão diz que o universal subsiste “como realidade em si”. Assim, os universais vêm antes das coisas, transcendem os seres singulares, os quais constituem. Aristóteles, por sua vez, afirma que o universal subsiste na coisa como princípio ativo, como força formadora do seu ser idêntico em todas as coisas. Em Aristóteles, esta fundamentação para os universais, é dita realista, ou seja, que os universais se referem à “realidade objetiva das coisas”.
Para responder as dúvidas sobre os universais, surgiram algumas correntes de pensamento que são conhecidas, como: realismo exagerado, nominalismo e realismo moderado.

1.     Realismo exagerado: predominou, sobretudo no século XII afirmando que os universais (gêneros, espécies) existem na realidade, como as coisas, e não de modo que estejam separados como ensinava Platão. Os universais estão nos próprios indivíduos. De certa forma, essa tendência gerou um certo anti-realismo por entender que os universais existentes como as coisas em si mesmas, como ‘res’, negando a individualidade das coisas.
    Essa tentativa de resposta é, pois, anti-realista, afirmando que os universais são as coisas em si  (res), negando, assim, a individualidade das coisas não havendo diferença essencial entre os indivíduos englobados por um mesmo universal. Ex. o homem...só havia um e as diferençcas seriam apenas acidentais

2.     O nominalismo: predominou no século XII. Aqui só existe o indivíduo, nada há de universal. Eu só existo na mente, como algo posterior às coisas e a sua expressão em palavras, em nomes. Assim, os universais não são nada mais do que mera emissão de voz,

3.     O realismo moderado: predominou no século XIII. O indivíduo é a substância primeira e a verdadeira realidade, mas é o indivíduo de uma essência (espécie), de algo comum a muitos. São significativos dois pontos de vista: de Tomás de Aquino e de Duns Scoto.

Tomás de Aquino: diz que os universais são, enquanto considerados formalmente,  isto é, enquanto tais, são produtos da mente. Não existem nela por existir, mas são produzidos pela mente com um fundamento na coisa (fundamento ‘in re’).
Os universais têm uma existência, porém, não como coisa separada. Eles não são ‘res’ (coisas) como queriam os realistas exagerados (extremistas). Os universais estão nas coisas!

Duns Scoto: Liga-se mais aos universais como mera formalidade, abrindo caminho para o nominalismo. Nesta compreensão do universal ou do conceito, ele nos apresenta a necessidade de fazermos distinções: distinção real, distinção de razão e distinção na própria coisa.
- Distinção real: é aquela que se estabelece entre uma coisa e outra. Ex. cavalo, elefante, girafa, homem, pedra...
-       Distinção de razão: é aquela que se estabelece ao considerar uma coisa em seus aspectos diversos. Ex. vaso
-       Distinção na própria coisa: difere daquela feita na razão. Ex. homem: tem uma forma essencialmente humana, mas tem também uma forma que o distingue dos demais homens: Mateus, Marcelo, Gorete, Mirian...

4.0 A ESCOLÁSTICA


4.1 O NOME “ESCOLÁSTICA”

Adjetivo grego, que passou ao latim, escolástica de­signa, ao pé da letra, aquilo que se ensina de acordo com o método das escolas, “scholae”.
Na idade média, scholasticus é o que ensina na schola. Por extensão do termo, Schola passou a designar o ensino, por excelência, da teologia e da filosofia.

4.2 ACEPÇÕES (significados) DO TERMO ESCOLÁSTICA
Num primeiro sentido, escolástica é o método de ensino dos teólogos e filósofos que se preocupavam em fundamentar racionalmente os dogmas e de estabelecer sistemas universais compatíveis com a ortodoxia católica.
Consistia o método escolástico em descobrir em cada ponto debatido as opiniões das autoridades, fundamen­tando-as e conciliando-as com a razão.
Num segundo sentido, que é translato, escolástica serve para designar o desenvolvimento dos pensamentos filosóficos dentro de uma escola ou de um campo qual­quer fechado.
Não se deve confundir, como alguns fazem, escolás­tica e filosofia medieval, porque se esta última apresenta alguns pontos de contato com aquela, nem sempre coin­cidem em toda sua extensão.
A escolástica é a sistematização da filosofia e teologia ensinadas nas escolas medievais. Fechadas as escolas pagãs em 529 por JUSTINIANO (coincidentemente, no mesmo ano em que S. BENTO inicia sua ordem em Cassino) são reorganizadas com cristão por CARLOS MAGNO no séc. VIII. Eram monacais, episcopais  ou palatinas.
Já no século XIII surgem as universidades, como associações corporativas livres de alunos e professores — “Universitas” (Bolonha e Paris), apresentando 2 estágios: a faculdade das artes liberais (trivium quadrivium, em 6 anos, como preparação filosófica) e a faculdade de teologia (aprofundamento na Sagrada Escritura, em 8 anos). Através de lições (Iectio) e dos seminários (disputatio), professores e alunos aprofundando no saber da época, sistematizando-o.
A Filosofia servia como instrumento da Teologia, demonstrando ­pela razão as verdades aceitas pela fé bem com a sua logicidad­e não contrariedade com os princípios fundamentais da razão. A Igreja passou a autorizar os professores leigos a ensinar a doutrina sagrada.

4.3 PERÍODOS DA ESCOLÁSTICA

Para alguns autores, como, por exemplo, a escolástica “histórica” divide-se nos seguintes períodos: Pré-escolástica, baixa escolástica, apogeu da escolástica e escolástica decadente.
Outros autores preferem a divisão tripartida, mais simples, em períodos chamados: de formação, apogeu e declínio.

4.3.1 PERÍODO DE FORMAÇÃO

Caracterizada, nos seus inícios, pela preservação da cultura clás­sica num mundo bárbaro, tinha cunho mais propriamente neopla­tônico. Por seu caráter materialista, os escritos aristotélicos de Cos­mologia são vedados pela Igreja, sendo condenadas publicamente as teses de escolásticos que, neles fundados, se desviam da doutri­na cristã.
Contrastando com o que se passava, em outras partes da Europa, nesse período, onde era notória a ausência de escolas, no vasto império de Carlos Magno, depois da via­gem que o monarca fez à Itália, grande impulso foi dado ao ensino, refletindo-se tal influência nas artes, ciências e filosofia. As famosas capitulares 787 do imperador Carlos Magno determinaram a disseminação de escolas por toda parte, escolas essas que tomaram nomes conforme se erguiam junto às cortes, aos palácios — escolas palatinas, franqueadas a todos, sem distinção —, junto aos mos­teiros — escolas monacais, divididas em duas secções, reli­giosa e leiga e, finalmente, junto às sedes dos bispados —        escolas catedrais, também separadas em duas secções, ou seja, secção regular, para religiosos, e secção secular, para os Leigos.
Ensinavam-se as artes liberais, divididas em trivium (gramática, retórica e dialética) e quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música); as ciências naturais; a filosofia; a teologia.
Empregava-se o método exegese ou comentário do texto adotado pelo lente, que “lia” os autores, então em voga, comentando as passagens, ponto por ponto.
As escolas scholae — mais célebres fixaram-se na Inglaterra, França e Alemanha.
Diversos problemas eram discutidos, nessa época, sobressaindo, entre eles, o famoso problema ou questão dos universais, que já preocupara os pensadores gregos, Platão e Aristóteles.
Os universais são as noções genéricas, as idéias. No decorrer da história da filosofia medieval, a complexa questão dos universais penetrou quase todos os campos - o da lógica, da ontologia, o da teologia.
O problema que preocupara os gregos foi revivido, na idade média, a partir do instante em que Boécio divulgou, traduzindo-o para o latim, o livro Isagoge, de Porfirio, na parte introdutória ao que Aristóteles escre­vera sobre as categorias.
De modo bastante simples, o problema dos universais é posto nos seguintes termos: até que ponto o conheci­mento se refere à realidade? Se, de um lado, temos uma série de objetos, que se apresentam a nossos sentidos como indivíduos (este livro, esta pedra, este caderno), por outro lado, os conceitos com que pensamos esses objetos são universais: livro, pedra, caderno. Os universais são, portanto, os gêneros e as espécies e se contrapõem aos indivíduos. Os indivíduos, ao mesmo tempo que existem, na realidade, são por nós pensados mediante suas espé­cies e gêneros. Qual a relação dos universais com a rea­lidade?
A solução ou resposta que se dê a esse magno pro­blema vai determinar a idéia que temos do ser das coisas, de um lado, e do conhecimento, de outro lado.
Problemas filosóficos, os mais transcendentes, meta­físicos e teológicos se acham ligados à magna resposta formulada.
Quatro respostas foram dadas, na idade média, ao problema dos universais, originando cada uma delas um sistema, conhecido por um dos nomes seguintes: realismo, que se divide em exagerado e moderado; nominalismo; conceptualismo.
Entre os grandes nomes deste primeiro período da escolástica ficaram célebres Santo Anselmo (1033-1109), arcebispo de Cantuária e inimigo acérrimo dos nomina­listas, espírito organizado que tenta uma síntese imensa de todo o conhecimento de sua época; Pedro Abelardo (1079-1142), professor extraordinário, célebre também por seu infeliz romance com Heloísa, reuniu em volta de sua cátedra mais de 5.000 discípulos, autor do livro Sic et Non, deixou o mais completo estudo sobre os universais, à luz do aristotelismo. Professando o racionalismo, demonstra Abelardo que a razão humana tem possibilidades de expli­car os mistérios e a teologia; João Escoto, denominado Erigena ou Erígenes, por haver nascido na Irlanda (Erin), é o chefe da escolástica dissidente e o espírito mais culto do nono século. Empreendeu uma síntese panorâmica do saber de sua época, resumindo-se a sua doutrina na afir­mação de que há uma só substância, absoluta, da qual emanam os seres, os quais, por sua vez, serão por ela absorvidos.
Por essa época, no oriente, floresce a filosofia árabe, distinguindo-se os nomes de Alfarabi, Avicena e Averróis, ao mesmo tempo, que, entre os judeus, surgem os nomes de Issac Israeli, a quem se atribui a definição de verdade (adaequatio intellectus et rei — adequação do intelecto e da coisa) e de Saadia Ben Joseph de Fayoum, que tenta harmonizar os ensinamentos bíblicos com o que ensina a filosofia. No ocidente, a filosofia judaica teve como representantes Avicebron, autor da Fons vitae, de influên­cia neoplatônica, que foi adotada pela escola franciscana, mas repelida por Santo Tomás. e Maimônides, autor do livro Dia perplexorum, guia dos perplexos, de fundo neo­platônico e aristotélico, que exerceu notável influência nas mentalidades cristã e judaica, chegando até aos tem­pos de Espinosa.

4.3.2 PERÍODO DE APOGEU

O período de apogeu da escolástica estende-se pelo século XIII que, estudado profundamente, vai mostrar a impropriedade da afirmação que diz ter sido a idade média uma noite de dez séculos.
Ao contrário, o que no século XIII e seguintes pro­duziu a idade média, no campo da política (época da Magna Charta, de 1215), da arquitetura (as grandes catedrais góticas), da pintura (Giotto e Cimabue), da poesia (a Divina Comédia, de Dante Alighieri), da ciência (álgebra, bússola, ciências experimentais), filosofia (Al­berto Magno e Tomás de Aquino), é mais do que sufi­ciente para denominar época das luzes ao período medie­val, o cadinho que preparou o renascimento.
A introdução das obras aristotélicas, no mundo cató­lico ocidental, a criação das Universidades e a fundação das ordens franciscana e dominicana foram três fatores decisivos na eclosão e aperfeiçoamento do pensamento filosófico.
É a época de Alexandre de Hales, o doctor irrefraga­bilis; de São Boaventura, o doctor seraphicus; de Alberto Magno, o doctor universalis; de Santo Tomás de Aquino, o doctor angelicus; de Duns Scoto, espírito hipercrítico. mas delicado, que reformula in Omeras concepções; Rai­mundo Lulo, o doctor illuminatus.
Nesse período, viveu Rogério Bacon (1210-1294), o doctor mirabilis, franciscano genial, que cultivava ao mesmo tempo as matemáticas e as ciências da natureza. Toda ciência requer a matemática — ensinava (omnis scientia requirit mathematicam), mas a experiência é igualmente indispensável (scientia experimentalis).
Gênio notabilíssimo, investigou a natureza, aperfei­çoando vários instrumentos de pesquisa, como lunetas e espelhos, apontou o erro do calendário juliano, então em voga, e previu a descoberta de máquinas e instru­mentos de nosso século, como o carro, telescópios e mi­croscópio, pontes e até aviões.
A escolástica encontrou opositores, que procuraram contrariar-lhe as teses sustentadas. A esse movimento antiescolástico se dá o nome de averroísmo, nome sob o qual se agrupam os que opõem o peripatetismo de Aver­róis à interpretação albertinotomista do estagirita.
Negando o livre arbítrio, apegando-se à autoridade de Aristóteles, para eles infalível, intitulam-se, orgulhosa­mente, de macacos dos dois mestres (Aristóteles e Aver­róis), ao passo que os escolásticos, muito mais firmemen­te, recorrem aos argumentos lógicos da razão.
A própria universidade de Paris teve representantes da filosofia antiescolástica ou averroísta distinguindo-se, entre eles, Siger, de Brabante, que manteve constantes e vivas polêmicas com Santo Tomás, acabando por de­saparecer do cenário cultural da época.

4.3.3 PERÍODO DE DECLÍNIO

Causas sociais, políticas, econômicas, religiosas influi­ram de modo decisivo para que a escolástica declinasse, cedendo lugar a nova concepção do homem e do universo. A essas causas, que poderíamos denominar de externas ou do mundo, somaram-se outras, chamadas internas, oriundas da própria fonte, de seus próprios cultores, que abandonam a investigação da verdade pela própria verdade, para colocar a inteligência e o estudo a serviço de discussões acadêmicas ou políticas.
Multiplicam-se as escolas, de modo desordenado, sacri­ficando-se a qualidade pela quantidade. Perde terreno a escolástica não por falta de argumentos, mas por falta de quem os apresente e defenda.
Esquecem-se as grandes teses para discutir questões de lana caprina.
Citam-se, nesta época, os nomes de Guilherme de Ockham (1295-1349), João Buridano, Alberto da Saxô­nia, Nicolau de Oresme, o Cardeal Caetano, Nicolau d’Au­trecourt e Nicolau de Cusa.

4.3.4 CONCLUSÃO DESTE TÓPICO

Escolástica não é sinônimo de filosofia medieval e nem filosofia religiosa.
Ë um sistema de exposição, ou um método, a serviço das grandes teses que preocupam o pensador.
Estruturando-se na Europa ocidental, na época das invasões dos bárbaros, enfrenta as piores condições para florescer.
Representa, sem dúvida, uma força construtiva de agregação do pensamento humano, no que teve de me­lhor, de mais sério, de mais coerente, tendo tido o condão de despertar o espírito para a visão panorâmica das gran­des teses.
Combatida desde o início, por inteligências vigorosas, opôs sempre, argumento contra argumento, refutando o erro com a luz da razão.
Ressurgiu mais poderosa depois que os averroístas a criticaram, enfrentou noutro período os adeptos da reforma, triunfou contra os dissidentes, enfrentando ocamistas, neo-averroistas e, no renascimento, os huma­nistas, entre os quais Erasmo (1515-1572), bem como os helenizantes, separados nos grupos de Roterdão (1467-1536), Pierre La Ramée ou Petrus Ramus dos alexandris­tas (Pomponazzi e Escalígero) e dos averroístas (Zimara, Aquilini e Nifo).
No século XVI, principalmente depois do Concílio de Trento, opondo-se ao movimento reformista, ressurge a escolástica na Espanha, propagando-se à Itália e Bélgica.
Bastariam dois nomes para celebrizar este período renascentista da escolástica, Francisco Vitoria (1480-1556) e Francisco Suárez (1548-1617).

4.4 SANTO TOMÁS DE AQUINO

 

4.4.1 A FIGURA DE SANTO TOMÁS


Santo Tomás de Aquino (1225-1274), descendente de nobre estirpe, unido por laços de sangue a várias famí­lias imperiais, nasceu no castelo de Roccasecca, tendo estu­dado primeiro no mosteiro de Monte Cassino, depois em Nápoles, onde estudou o trivium com Pedro Martin e o quadrivium com Pedro de Ibernia. Em Paris, conhece o grande Alberto Magno, de quem se torna discípulo e amigo e, mais tarde, mestre. Ensinou em inúmeras uni­versidades da Europa e morreu, aos 47 anos, quando se preparava para participar do Concílio de Lião.
Pela pureza do espírito e profundidade de seu gênio foi cognominado o doctor angelicus.

4.4.2 RELAÇÃO DE SUAS OBRAS

A obra de Tomás de Aquino é volumosa, mas a mais importante é a notável exposição sistemática de suas conclusões e também de toda a escolástica que se encon­tra na Suma Teológica (Suma é o mesmo que resumo, síntese, visão panorâmica), ou seja, na Síntese Tomasia­na, conjunto harmônico, sistemático e ordenado da ciência teológica e filosófica, expressão amadurecida e definitiva do pensamento tomasiano.
Da variada obra de Santo Tomás, algumas têm inte­resse mais apologético ou de exegese, como a Catena aurea super quattuor Evangelia, cadeia de ouro sobre os quatro Evangelhos, outras são de natureza teológica, dogmática ou jurídica.
Ao nosso estudo interessam os Comentários a Aristó­teles, exposição e crítica ao pensamento do estagirita; os Opúsculos, leves ensaios de filosofia ou de teologia, ricos de ensinamentos, como, por exemplo, o De ente et essentia, sobre o ente e a essência; o De unitate intellec­tus, sobre a unidade do intelecto; o De principio indivi­duationis, sobre o princípio da individuação. As Quaes­tiones quodlibetales e as Quaestiones disputatae (De ve­ritate, De Anima, De potentia), a Summa contra gentiles e o Compendium theologiae ad Reginaldum completam os mais importantes trabalhos filosóficos e teológicos do doutor angélico.

4.4.3 O QUE É “TOMISMO”

Derivado de Tomás, o substantivo “tomismo” é em­pregado, de modo geral, para designar o conjunto das doutrinas expostas por Santo Tomás de Aquino, em suas numerosas obras.
Mais comumente, num sentido amplo, tomismo é o conjunto das doutrinas inspiradas em Santo Tomás, quer na idade média, em que quase sempre se opõe tomismo a escotismo ou a ocamismo, quer na época moderna, em que um vivo movimento de volta às idéias fundamentais desta filosofia se verifica sob a influência, em fins do século passado, da encíclica Aeterni Patris (1879), em que o papa Leão XII recomendava uma adaptação da dou­trina geral do doutor angélico aos resultados atingidos pelas pesquisas científicas contemporâneas, movimento esse conhecido sob o nome de neotomismo.
Enfim, tomismo ou é a doutrina de Tomás, ou é a doutrina dos seguidores e comentadores medievais de Tomás; em nosso dias, tomismo ou neotomismo é ou a adoção, pura e simples, da doutrina ortodoxa do mestre ou sua adaptação aos nossos dias.

4.4.4 O SISTEMA DA FILOSOFIA TOMISTA

O pensamento integral da filosofia e teologia tomista está exposto na maior construção arquitetônica de todos os tempos, infelizmente inacabada, por morte prematura de seu quase divino construtor.
Método, clareza, lógica, ordem nas idéias, divisões e subdivisões, tudo se vai dispondo de maneira extraor­dinária.
Os pensadores que antecederam o mestre trataram, de maneira esparsa, aqui e ali, de grandes teses filosófico­-teológicas, nunca, porém, em conjunto, de maneira inte­gral e panorâmica, como fez Tomás de Aquino, na Suma Teológica.
Divide-se a Suma em três partes maiores, cada parte se resolve em questões, as questões em artigos.
A primeira parte estuda Deus, o Anjo e o Homem; a segunda parte é consagrada à moral; a terceira parte estuda a encarnação do verbo, os mistérios de suas humilhações e vitórias. Interrompe-se a obra na altura em que seu autor principia a explicar os Sacramentos.
Encerra a Suma 613 questões, 3.106 artigos e mais de 15.000 argumentos sobre pontos de moral e de dogma, sempre seguidos de citações dos Santos Padres.
Salienta-se Santo Tomás no campo da lógica, da metafísica, da antropologia, da gnoseologia, da cosmolo­gia, da ética, da teodicéia, da política, da filosofia e teo­lógia.
Em lógica, Tomás é um aristotélico, utilizando-se da parte formal do raciocínio estagirita; na metafísica, com maior amplitude do que o mestre grego, Tomás revive as noções de atos e potência, expõe o problema das cate­gorias, detendo-se na substância e nos acidentes, discorre sobre as quatro causas e faz a distinção fundamental entre ente e essência; na antropologia, explica a união entre alma e corpo, a primeira, princípio imaterial que se une ao corpo, como a forma à matéria, o ato à potên­cia, formando um composto substancial — o homem, que, quanto à vontade, é livre; na gnoseologia ou teoria do conhecimento, Tomás revive o princípio do nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensibus, nada há no intelecto que não tenha estado nos sentidos, básico para o seu sistema e interpretado de maneira clara e precisa. No conhecimento, só existente mediante a relação entre sujeito cognoscente e objeto conhecido o primeiro procede a uma assimilação vital do segundo. Há dois tipos de conhecimentos, o sensitivo e o intelectual. Por meio de ambos a alma entra em contato direto e imediato com a realidade; na cosmologia, aceita a doutrina dos quatro elementos, da incorruptibilidade dos astros, da composi­ção dos corpos em matéria e forma; na ética, mostra que o fim último do homem é procurar a posse do bem infi­nito, jamais dos bens finitos, que envilecem a dignidade humana; na teodicéia, Santo Tomás atinge momento de grande esplendor, superando os argumentos de Aristóte­les na demonstração da existência de Deus; na política, exposta no opúsculo De regimine principium, Tomás sus­tenta que “quando os seres livres, reunidos em sociedade têm um soberano que zela pelo bem comum, a sociedade, o governo é reto, justo e convém aos homens livres; enfim, na filosofia e teologia, mostra o mestre as relações harmônicas entre a razão e a fé, provando que a filosofia e a teologia são duas ciências distintas, sem dúvida, mas não antagônicas. Poderá haver muitas vezes a coincidên­cia do objeto material, de ambas as ciências, a existência de Deus, por exemplo, mas cada uma delas (objeto for­mal) encara o mesmo objeto, por ângulos diversos.

4.4.5 O ESCOLA TOMISTA

O tomismo fez escola. Encontrou adeptos que o segui­ram, citando-se, entre eles, Pedro Tarentaise, professor de teologia e provincial dos dominicanos, que resumiu e defendeu as grandes teses do sistema; Vicente de Beauvais, autor do Magnum Speculum; Oilles de Lessines e Herveu de Nédellec.
Enfim, Dante Alighieri, escrevendo, em versos, o poema famoso a Divina Comédia, expõe com grande bele­za poética as idéias mais correntes do tomismo, poden­do-se, com certa razão, afirmar que a Divina Comédia é a Suma Teológica posta em versos.

4.4.6 OS ANTI-TOMISTAS

O espírito brilhante e polêmico de Santo Tomás de Aquino iria, evidentemente, suscitar oposição no seio da própria Igreja, chegando-se mesmo a proibir a defesa e exposição de algumas teses do doutor angélico. Com o tempo, entretanto, serenaram os ânimos, esfriaram as paixões e a doutrina de Tomás volta a propagar-se, ga­nhando novos adeptos.
Entre os mais veementes opositores, citam-se os nomes, hoje quase desconhecidos, de Guilherme de La Mare, que escreveu contra Tomás o livro Correptorium fratris Thomae, e João Peckham, arcebispo de Cantuária, que proibiu a divulgação de algumas teses tomistas.

4.4.7 CONCLUSÂO

Impossível é negar a evidência. Santo Tomás de Aquino, aceitando ou reformulando o que de melhor pro­duzira o gênio grego, em especial, Aristóteles, revive as teses máximas de Santo Agostinho, passa pela filosofia judaica e árabe, para compor o mais extraordinário con­junto arquitetônico teológico-filosófico de todos os tem­pos, edifício que há mais de 700 anos resiste a todas as invectivas que contra ele se levantam — a Summa Theologicae, sistema coerente e sintético, onde se refine o que de melhor produziram as inteligências do mundo pagão e cristão, convergência possível pelo espírito lógico e inspirado que tudo fundiu, numa contribuição humana, em que transparece o divino.
           


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