4.5 PENSADORES
DA ESCOLÁSTICA
4.5.1 SEVERINO
BOÊCIO (480-525)
Cônsul romano, casado com RUSTICIANA, filha do senador
SÍMACO, aceitou governar a Urbe quando
TEODORICO, rei dos ostrogodos a invadiu. Buscou preservar a cultura latina e
grega num mundo agora dominado pelos bárbaros. Foi condenado à morte quando
TEODORICO achou que estava ajudando o Imperador JUSTINO, de Bizâncio. Foi
contemporâneo de S.
BENTO, organizador do monacato latino. Na prisão, escreveu o “De Consolatione Philosophiae”: a
Filosofia vem consolá-lo e mostrar-lhe quais são os verdadeiros valores.
a) Buscou compaginar PLATÃO e ARISTÓTELES, projetando
traduzir-lhes as obras do grego para o latim, projeto interrompido pela
trágica morte. Para preservar todas as ciências, intentou transmiti-las, no
que pudesse, aos bárbaros: resumiu a geometria de EUCLIDES, para que vissem a
importância da matemática e geometria.
b) Lógica — completou o quadrado lógico de APULEIO:
1 Todos os homens contrárias Nenhum homem
são justos
é justo
subalternas contraditórias subalternas
Algum homem subcontrárias Album
homem
é
justo
não é justo
e) Problema dos Universais- só existem no intelecto (são incorpóreos),
pois na realidade apenas existem os seres singulares; mas, abstraindo dos
seres singulares suas características comuns, são obtidos os universais (o
intelecto extrai dos corpos o que estes têm de incorpóreo: a forma separada e
pura).
d) Definição de Pessoa- “rationalis naturae individua substantia” (substância individual
de natureza racional).
e) Definição de Eternidade- “interminabilis vitae tota simul atque perfecta possessio” (posse
perfeita, total e simultânea de uma vida interminável).
f) Problema do Mal- os homens não captam a ordem da
providência divina e cometem um erro de avaliaçao ao buscarem a felicidade em
bens perecíveis, que não a trazem.
4.5.2 CASSIODORO
(480-570)
Também foi senador e ministro de TEODORICO junto com
BOÉCIO. Em 540, retirou-se da vida pública, fundando o mosteiro “Vivarium” (onde se começa a incluir a
cultura no ideal do monge), no qual faleceu.
Escreveu o “De
Anima” (procurando demonstrar a espiritualidade e imortalidade da alma),
uma História dos Godos e o “Institutiones
Divinarum et Saecularium Litterum”: um plano de estudos liberais para os
clérigos, que incluía, além da filosofia e teologia, o trivium (gramática, dialética e retórica) e o quadrivium (aritmétrica, geometria, astronomia e música).
4.5.3 S.
ISIDORO DE SEVILHA (560-636)
Bispo de Sevilha, presidiu o IV Concílio de Toledo
(633).
* Autor das “Etymologiae”
(obra enciclopédica de consulta obrigatória por séculos), que trata, em 20
livros, das 7 artes liberais e de ramos do saber humano, sustentando que
através da etimologia é possível chegar ao significado das coisas.
4.5.4 ALCUÍNO DE YORK (730-804)
Professor da escola Catedralícia
de York, deixou mais tarde a Inglaterra e tornou-se diretor da escola palatina
de Aquisgran organizada por CARLOS MAGNO.
* Elaborou manuais para cada uma
das 7 artes liberais, destacando-se por seu método didático dialogado, de
conversa entre professor e aluno.
4.5.5 JOÃO
ESCOTO ERÍGENA (810-880)
Dirige a escola palatina a partir de 845, durante o
reinado de CARLOS, o Calvo (sucessor de CARLOS MAGNO). Busca transformar as
artes liberais (especialmente o trivium)
de conteúdo de erudição em instrumento de penetração das verdades cristãs.
Sua doutrina acabou sendo condenada no sínodo de Valenciennes, como de caráter
panteísta.
a) “De
Praedestinatione”- obra escrita para refutar a tese da predestinação dos
bons e dos maus, de GOTESCALCO. Como acredita que a fé pode ser totalmente
explicada pela razão (“nemo intrat in
coelum nisi per philosophiam”) cai em erros como o de negar a eternidade do
inferno para refutar a dupla predestinação.
b) “De Divisione Naturae” calcado no PSEUDO-DIONÍSIO, desenvolve a orientação neoplatônica da
hierarquia da natureza, com um caminho de emanação e retomo (Deus estaria
acima do Ser: o super ou supra-Ser):
* Natureza que cria e não é criada — Deus (Pai)
Criador.
* Natureza que é criada e cria — as Idéias (Logos,
Verbo) como arquétipos eternos das coisas criadas.
* Natureza que é criada e não cria — anjos, homens e
demais seres.
* Natureza que não é criada e não
cria — Deus, como termo final de tudo.
e) Efeitos sociais — forja a mentalidade feudal
fundada na hierarquia do poder como reflexo de uma hierarquia mais ampla.
4.5.6 S. PEDRO
DAMIÃO (1007-1072)
Sua canonização, pela santidade de vida, não representa
um endosso da Igreja à sua postura filosófica anti-dialética e de total
aversão ao mundo. Foi Eremita e depois bispo de Ostia, sendo autor do “De Divina Omnipotentia”.
* Condena os que elevam a dialética
e a razão a tão importante posto que chegam a ir contra algumas verdades de fé.
Sustenta que a filosofia deve apenas servir à teologia, como uma escrava a ser
mantida acorrentada (“philosophia ancilla theologiae”).
4.5.7 S.
ANSELMO (1033-1109)
Tornou-se monge beneditino, chegando a prior e
abade. Sucedeu a LANFRANC em 1093 como arcebispo de Canterburry, disputando
com o rei HENRIQUE I sobre a questão das investiduras. Considerado o Pai da Escolástica.
Busca penetrar com a luz da razão as verdades da fé, fundamentando-as com
razões indiscutíveis.
a) Provas da Existência de Deus:
* A posteriori (no “Monologium”) — a partir das coisas criadas (sua bondade, grandeza,
perfeição e existência em diversos graus demonstra que deve existir um Ser
necessário e perfeito que seja a causa de todas as coisas criadas).
* A priori (no “Proslogion”)
— Deus é aquilo do qual nada maior se pode pensar (“id quo maius cogitare nequit”). Ora, se não existisse, não seria
o maior; logo, deve existir (“argumento ontológico” — deduz a existência de
Deus do próprio conceito de Deus: GAUNILO (monge). S. TOMÁS DE AQUINO, KANT e B. RUSSELL o
rejeitaram, por não se poder passar, sem mais, do campo lógico ao ontológico;
S. BOAVENTURA, DESCARTES e LEIBNIZ o acolheram como válido).
b) Fé e Razão:
* “fides quaerens intellectum” (a fé que busca a compreensão) e “credo ut intelligam” (creio para entender)
— esclarecer com a razão o que já se possui pela fé (precedência da fé sobre a
razão).
4.5.8 BERNARDO
DE CHARTRES (1050-1125)
Da escola da catedral de Chartres.
Não tendo deixado escritos, sua doutrina nos é transmitida por seus discípulos
TEODORICO DE CHARTRES, GILBERTO PORRETA e JOÃO DE SALISBURY.
a) Sustentava que, para filosofar, o intelecto devia
ser iluminado pelo “quadrivium” e
possuir os instrumentos ofertados pelo “trivium”
(cultivo de todas as artes liberais: cultura humanística completa).
b) Os modernos seriam anões que, colocados sobre os
ombros dos antigos, que seriam gigantes (pela robustez de seus fundamentos),
poderiam ter uma visão privilegiada da realidade (vendo de cima melhor e mais
longe).
c) Preocupação maior com a filosofia da natureza:
fundamento no “Timeu” de PLATÁO - Deus é o Uno e a matéria por Ele criada é o
múltiplo (Deus criou o céu e a Terra — “Céu” é o fogo e o ar; e “Terra” é a
água e a terra: os 4 elementos).
4.5.9 ROSCELIN
DE COMPIÊGNE (1050-1121)
Mestre em Paris e pai do nominalismo.
* Sustentava que os universais não passavam de meros
vocábulos (“flatus voces”), não tendo nenhum valor, pois
nada existe além da individualidade.
* Com essa postura filosófica do
singular, chegou a sustentar o triteísmo, pois não haveria uma unidade de
natureza entre as 3 Pessoas Divinas (suas doutrinas foram condenadas no
concílio de Soissons).
4.5.10 GUILHERME
DE CHAMPEAUX (1070-1120)
Discípulo de ROSCELIN, adota postura diametralmente
oposta à do mestre e ultra-realista na questão dos universais.
* Sustenta haver perfeita adequação entre os
conceitos universais e a realidade (o universal existiria “in re”). Atacado por seu discípulo ABELARDO (que mostrou a
impossibilidade de uma essêcia idêntica existir nos sujeitos singulares, que
apresentam formas diversas: contradição), abandonou sua cátedra em Paris,
fixando residência na abadia de S. Vitor, onde fundou a nova escola.
4.5.11 PEDRO
ABELARDO (1079-1142)
Ocupou a cátedra da escola de Nôtre Dame, notabilizando-se
por seu espírito crítico em relação às doutrinas professadas por seus mestres
(ninguém conseguia vencê-lo nos debates, o que acarretou-lhe a inveja de
muitos). Teve um romance com a jovem literata HELOISA, com quem se casou em
segredo. A família da jovem, no entanto, ao vê-la grávida, capturou ABELARDO e
o castrou. Com isso, ambos decidiram entrar para o convento. Algumas teses
suas sobre a Ssma. Trindade foram condenadas pelo Concílio de Soissons
(1121). Desgostoso, escreveu a obra “Historia
Calamitatum Mearum”. Morreu no mosteiro de Cluny.
a) “Dialectica”-
a dialética exige a análise dos termos da linguagem, determinando sua
função e significado. Procura estabelecer a relação entre as voces e as res:
os universais são categorias lógico-linguísticas (“sermones”) que medeiam o mundo do pensamento e o mundo do ser, significando
o status comum de uma pluralidade de
sujeitos (posição moderada entre realismo e nominalismo, designada como
conceitualismo).
b) Razão - tem
a capacidade de distinguir e separar os diversos elementos que estão unidos na
realidade, captando entre os indivíduos da mesma espécie um aspecto peculiar
que compartilham. Supõe a fidelidade às normas da lógica e é indispensável
para a inteligibilidade das verdades da fé, não, porém, para sua compreensão,
que é um dom exclusivo de Deus (“intelligo
ut credam”).
c) Ética - fundada na consciência e na intenção: o
pecado não está na vontade de fazer algo de contrário à lei divina, mas no
consentimento da vontade em realizá-lo (subjetivismo ético desenvolvido na
obra “Ethíca seu Scito te ipsum”).
d) Teologia - escreveu o De Unitate et Trinitate Divina”, cujos erros teológicos foram
apontados por S. BERNARDO e condenados no sínodo de Soissons (1121).
a)
“Sic et Non” - obra em que recolhe textos dos Santos Padres que seriam
contraditórios, sustentando que só a razão nos capacitaria a optar entre
autoridades contraditórias.
4.5.12 HUGO DE
S. V1TOR (1096-1141)
Discípulo e sucessor de GUILHERME DE CHAMPEAUX na
escola da abadia agostiniana de S.
Vítor e autor do “Didascalicon” (obra
completa e sistemática sobre todo o saber da época), considerou a filosofia
como meio de se alcançar a contemplação de Deus (via mística).
a) “Artes Mecânicas” - valoriza as disciplinas
não-liberais (agricultura, artesanato, indústria, teatro, etc) como propícias
à elevação da condição humana (todas as ciências seriam úteis para levar
àquilo que verdadeiramente importa: o amor de Deus).
b) Elevação Mística — da “cogitatio” (visão superficial), pela “meditatio” (reflexão detida), à “contemplatio” (intuição profunda): esta última, preparada pelo
exercício das virtudes, leva ao mergulho em Deus.
a)
Fé - especialmente para as
coisas “supra rationem”, que são superiores
à razão
4.5.13 S. BERNARDO DE CLARAVAL
(1090-1153)
Cognominado de “Doctor Mellifluus” (como grande
Mestre da Mística), arrastou mais de 30 companheiros quando decidiu abraçar a
vida monástica, sendo depois fundador de 68 mosteiros cistercienses e
animador das cruzadas.
·
Combateu a dialética racionalista, sendo adversário de ABELARDO: a verdadeira filosofia estaria no amor
a Cristo crucificado.
4.5.14 PEDRO
LOMBARDO (1100-1160)
Estudante na abadia de S. Vitor, mestre na Escola
Catedralícia de Notre Dame e depois bispo de Paris, notabilizou-se como autor
das “Sentenças” (Libri Quattuor
Sententiarum), que eram uma antologia abrangendo toda a teologia e
recolhendo as interpretações da patrística à S. Escritura. Foi muito comentado
durante toda a Idade Média.
* “Sentenças”:
Livro — Deus Uno e Trino
Livro — Deus Criador, a Graça e o Pecado
Livro — Encarnação, as Virtudes e os Mandamentos
Livro — Sacramentos e os Novíssimos.
4.5.15 JOÃO DE
SALISBURY (1110-1180).
Nascido na Inglaterra, estudou na
França, na escola de Chartres, tendo ABELARDO por mestre.
Passou alguns anos na Corte pontíficia e depois
tornou-se secretário de THOMAS BECKET, arcepisbo de Canterbury, após cujo
assassinato a mando de HENRIQUE II voltou para a França, tornando-se bispo de
Chartres.
* “A gramática é o berço de toda a filosofia”
(reconhecia sua natureza instrumental e combatia os que abusavam das
sutilezas).
* Moderação entre a verbosidade e o dogmatismo: as
soluções filosóficas sobre os problemas não seriam definitivas nem absolutas,
mas apenas tentativas de explicar os fenômenos.
* “Metalogicus” - obra onde rompe com a
tradição platônica dos universais e adota uma postura de base aristotélica:
Deus só criou seres individuais; os universais só existem no pensamento, mas
nunca nas coisas (prenúncio do nominalismo pela forma de exposição).
“Policraticus”- obra de teoria política em que
sustenta que a autoridade eclesiástica é a alma da sociedade e a autoridade
civil o seu corpo (a 1ª superior à 2ª, devendo estar subordinada à lei divina
(perde legitimidade se não a respeita).
4.5.16 JOAQUIM
DE FIORE (1130-1202)
Abade calabrês que desenvolve uma concepção trinitária
da História, num idealismo exacerbado:
a) Era do Pai: Antigo Testamento; tempo dos casados e
dos leigos.
b) Era do
Filho: inaugurada pela Encarnação; tempo dos clérigos e da Igreja instituída.
a)
Era do Espírito Santo: inaugurada por S. BENTO; tempo
dos monges, com renovação radical, libertação do peso das instituições e dos
problemas materiais, num verdadeiro paraíso terreno (visão que a época
propiciava, em face da sociedade cristã estendida e próspera).
4.5.17ALANO DE LILLE
(1140-1203)
Autor da “Maximae
Thtalogiae”, tenta estabelecer a matematização da teologia: partindo de
axiomas absolutamente claros, poder-se-ia oferecer razões prováveis para a fé.
* Deus seria forma sem forma e não
teria ser: seria “esfera inteligível, cujo centro está em todas as partes e a
circtmferéncia em nenhuma” (esquece que Deus é o Ser por essência).
4.5.18 AMALRICO DE BÉNE (1140-1206).
Da escola de Chartres, sustentou, baseado em ESCOTO
ERÍGENA, um panteísmo onde Deus seria
a forma substancial de todas as coisas: tudo é Deus e Deus está em todas as
partes (todas as coisas são Deus). Na ética, a conseqüência é que tudo o que
se faz é bom. Tem suas teses condenadas pela Igreja.
4.5.19 DAVID DE DINANT (1150-1210)
Também da escola de Chartres, dele escreveu S. TOMÁS
DE AQUINO que “sustentou estultamente que a matéria prima era Deus” (o
verdadeiro Ser seria matéria, que se confunde com Deus e com a Natureza, como
diria mais tarde SPINOZA).
4.6 OS FILÓSOFOS ÁRABES
É através dos filósofos árabes que
o Ocidente Cristão irá tomar contato mais profundo com as obras de Aristóteles.
4.6.1 AVICENA (980-2037)
Seu nome árabe era
IBN SINA. Viveu na Pérsia, onde ocupou cargos públicos e foi médico. Comentou as obras de
ARISTÓTELES, desenvolvendo uma síntese do aristotelismo como neoplatonismo, de
forma a harmonizá-lo com a religião islâmica. Autor de uma suma filosófica em
18 livros, denominada “A Cura da Alma”.
a) Distinções:
* Ente - é a coisa
concreta, primeira a ser conhecida (“ens est primum cognitum”).
* Essência - é a
abstração (o “quid est”) (Ex.: humanidade
e homem).
* Ser possível - que não inclui necessariamente a existência
no conteúdo da essência; que existe de fato, mas poderia não existir; ser
contingente (existe por outro, sendo causado).
* Ser necessário -
no qual a essência se confunde com a existência (só existe um e é Deus -
“Pensamento de pensamento”).
b) Emanacionismo:
Recai no mesmo
equívoco plotiniano do mundo como emanação necessária de Deus: sustentou a
necessidade da criação, que emana de Deus numa seqüência de 10 esferas
concêntricas, em que a última — a sublunar — é animada pelo Intelecto Agente,
que daria as formas substanciais à matéria prima (“materia prima quantitate signata”). Esse intelecto agente único
infundiria nos corpos humanos a alma espiritual incorruptível e operaria a passagem
da potência ao ato do intelecto humano, irradiando-lhe as idéias abstratas.
c) Alma:
É a primeira
perfeição do corpo natural orgânico, dotado de operações vitais (princípio que
rege o corpo).
4.6.2 ÁVERRÕIS (1126-1198)
Seu nome árabe era IBN ROSCHD.
Nascido em Córdova durante a dominação muçulmana, foi o grande comentador de
ARISTÓTELES, difundindo a teoria hilemórfica do estagirita (“Comentários sobre
as Obras de Aristóteles”). Sua coerência com as teses aristotélicas, conduzindo
a conclusões materialistas, levou as autoridades religiosas muçulmanas e
cristãs a restringir o uso de suas obras (as traduções da Física e Metafísica
de ARISTÓTELES foram inicialmente proibidas de serem lidas, até posterior
compatibilização com a fé).
a) Primado da Razão - a verdade que se atinge com a filosofia valeria mais do que aquela recebida
através da revelação (os textos religiosos deveriam ser interpretados no
sentido exigido pela razão).
b) Eternidade do Mundo - Deus
não seria criador, mas animador da energia que existe no Universo desde toda a
eternidade.
c) Unicidade do Intelecto Humano - o intelecto não poderia ser individual,
como forma do corpo, pois não captaria as formas inteligíveis de caráter
universal. Assim, o intelecto seria único para toda a humanidade, não
misturado com a matéria, e acumulando, ao longo da história, as conquistas do
saber. Consequencias: negação da imortalidade da alma e induzimento ao hedonismo,
dada a transitoriedade da existência humana.
4.7 OS FILÓSOFOS JUDEUS
Receberam a influência das culturas
helênica e árabe e as retransmitiram ao Ocidente Cristão, com seu cunho mais
neoplatônico.
4.7.1 ISAAC JUDAEUS (865-955)
Filósofo
neoplatônico que, segundo S. TOMÁS DE AQUINO, teria definido a verdade como a
“adequação do entendimento às coisas” (“Veritas
est adequatio rei et intellectus”).
4.7.2 AVICEBRON (1021-1058)
Seu nome
judaico-árabe era SALOMAO IBN GEBIROL. Autor de ‘Fons Vitae”, obra de caráter neoplatônico em que procura harmonizar
a razão com a religião judaica e propõe o hilemorfismo universal (até os anjos
seriam compostos de matéria e forma, menos Deus).
4.7.3 MOISÉS MAIMÔNIDES (1135-1204)
Nascido em Córdova, foi depois para
o Cairo, onde se tornou médico na corte do sultão SALADINO. Escreveu o “Guia
dos Perplexos”, para superar as aparentes contradições entre fé e razão.
a) Criacionismo - sustenta a criação do mundo “ex nihilo”, pela Vontade livre de Deus, como ensinado pela fé, já que as provas aristotélicas da
eternidade do mundo não seriam decisivas.
b) Unicidade do Intelecto Agente - seria separado dos homens e que
atualizaria o intelecto passivo individual (o homem não seria imortal como
indivíduo, mas apenas como parte do intelecto ativo).
5.0 A ALTA ESCOLÁSTICA
O período áureo da
Escolástica se dá no século XIII, com o surgimento das ordens mendicantes,
fundadas por S. FRANCISCO (1181-1226) e S. DOMINGOS (1170-1221), que foram
fator de renovação da Igreja e elemento de poderoso renascimento científico,
uma vez que se incorporaram em suas fileiras homens notáveis, que souberam
aliar a santidade de vida com o cultivo da ciência.
5.1 GUILHERME DE AUVERN1A (1180-1219)
Bispo de Paris,
busca uma síntese de agostinismo (neoplatonismo) e aristotelismo (aviceniano).
Autor de “Magisterium Divinale”.
* Introduz a distinção real entre
essência e existência e coloca Deus como o intelecto agente graças ao qual
conhecemos as coisas. Suprime as várias esferas entre Deus e as criaturas (é a
causa direta de todas as coisas), mas não consegue superar a concepção do
intelecto agente como exterior ao homem.
5.2 ALEXANDRE DE HALES (1185-1245)
Natural da
Inglaterra, ingressa na ordem franciscana quando já era catedrático de teologia
na Universidade de Paris e inicia a escola agostiniano-franciscana.
* Por seu enorme
prestígio e saber é cognominado na época como “Docton Irrefragabilis” (Doutor Incontestável), não obstante o desacerto
de algumas de suas teses.
* Em sua obra “Summa Universae Theologiae” ataca a
tese da eternidade do mundo e sustenta a teoria do exemplarismo, das razões
seminais, da pluralidade das formas (alma independente, com matéria e forma) e
da iluminaçâo (as coisas superiores só seriam conhecidas pela iluminação do
intelecto por Deus).
5.3 S. BOAVENTURA (1218-1274)
Discípulos de
ALEXANDRE DE HALES, foi o expoente máximo da escola franciscana, tendo sido
eleito superior da ordem (restaurou-a, como um segundo fundador) e feito cardeal.
Presidiu os trabalhos preparatórios do Concílio de Lion. Teve restrições à
utilização da lilosofia aristotélica, preferindo o agostinianismo. Autor de 3
séries de “Collationes” e do “ltinerarium Mentis in Deuni”. Cognominado
“Doctor Seraphicus”.
a) Filosofia - quando autônoma, conduz ao erro. Deve ser instrumento
para a teologia e para a mística (filosofia cris’ tã, que não pode estar
separada da fé revelada e deve conduzir à salvação).
b) Exemplarismo - em Deus se encontram as Idéias ou modelos de tudo o
que existe (estão no Verbo). No mundo, as criaturas são vestígio (os
irracionais), imagem (os racionais) ou semelhança (os redimi-dos) de Deus. A
raiz dos erros de ARISTÓTELES
estaria na rejeição da teoria das Idéias de PLATÃO, pois conduz à eternidade do
mundo, com Deus sendo apenas causa final, o que implica um necessitarísmo e a
unidade do intelecto agente, para fugir da infinitude das almas existentes.
c) “Rationes
Seminales”- segue
a doutrina agostiniana de que Deus, ao criar o mundo, já colocou nele os germes de tudo o que poderá vir a ser, evoluindo
(formas intrínsecas colocadas na matéria desde a criação).
d) Teoria da Iluminação - também agostiniana, explica o conhecimento como uma
luz divina sobre o intelecto, dando-lhe a apreensão dos conceitos universais
(co-intuição).
e) Pluralidade das Formas - para preservar a individualidade da alma humana,
considera que também é composta de matéria e forma (para subsistir após a
morte), sendo, por sua vez, forma do corpo (com essa visão, a unidade do homem
fica em parte comprometida).
f) Deus – seria o “primum cognitum”(primeiro conhecido) demonstrando-se sua
existência pela via ontológiva: “Se Deus é Deus, Deus é”.
5.4 S. ALBERTO MAGNO (1205- 1280)
Mestre dominicano
que ensinou em Paris e Colônia, tendo inserido o aristotelismo no pensamento
cristão (necessidade de se apoiar na razão quanto às coisas naturais e
especialmente no método experimental).
* Autor da
“Summa De Creaturis” e dos tratados
“Sobre os Vege“, “Sobre os Minerais” e “Sobre os Animais”. Pelo seu
conhececimento abrangente do saber da época, foi denominado “Doctor Universalis” (buscou colocar à
disposição dos homens de seu tempo todo o patrimônio filosófico do passado,
sendo prosseguidor neoplatonismo árabe mais do que aristotélico).
* Sua
doutrina sobre a alma conjuga ARISTÓTELES com AVICENA(não é simples forma do
corpo, mas motor, substância e intelecto).
5.5 TOMÁS DE AQUINO (1225-1274)
Foi o expoente máximo da
escolástica medieval. Cognominado
de “Doctor Communis” ou “Doctor Angelicus”, conseguiu
compaginar o aristotelismo com o cristianismo, de forma a obter uma base filosófica
sólida para a teologia, retificando os erros materialistas do Estagirita.
a) Vida:
* Nasceu em Roccasecca, filho do
Conde de Aquino.
* Foi levado à abadia beneditina de
Montecassino, onde recebeu a educação e se esperava que viesse a ser seu abade.
* Quando a abadia foi atacada por
FREDERICO II, continuou seus estudos em Nápoles, onde entrou para a ordem
mendicante dos dominicanos.
* Raptado e
provado pela família quanto a sua vocação, vai depois a Paris, onde se toma
discípulo de S. ALBERTO MAGNO, que se impressiona com sua inteligência (quando
lhe atribulam a alcunha de “boi mudo”, S. ALBERTO disse: “Quando esse boi
mugir, o mundo inteiro vai ouvir o seu mugido”).
* Autor da “Summa Contra Gentiles” e da “Summa
Theologiae”. Ao final da vida teve uma visão de Deus, após a qual disse a
seu secretário REGINALDO, que tudo o que escrevera não passava de palha, razão
pela qual não pôde mais continuar escrevendo (REGINALDO concluiu a “Suma
Teológica”).
* Morreu em Fossanova, quando ia
para Lion assistir ao concílio por ordem do Papa GREGÓRIO X.
b) Filosofia:
Não pode ser substituida pela
Teologia, mas apenas aperfeiçoada (como a fé e a graça não suprimem, mas
aperfeiçoam a razão e a natureza). Não pode haver contradição entre fé e
razão, pois a fonte da Verdade é única: Deus (Autor da Natureza e da Revelação).
É necessária uma correta filosofia para ser possível uma boa teologia.
c) Metafísica:
Fundamenta-se
na distinção real entre essência (o que a coisa é) e ato de ser (“actus essendi”, pelo qual a coisa
passa a existir e que procede de Deus). Desenvolve as idéias do ser por
participação (criaturas que participam do Ser de Deus) e da analogia do ser
(as criaturas se assemelham a Deus, mas estão mais próximas da equivocidade do
que da univocidade, dada a distância entre o Ser de Deus e das criaturas;
máxima relação de pertença e máxima distância).
d) Os Transcendentais:
“Equivalentes”
do ser que transcendem os predicamentos e constituem facetas do Ser (“Ens et unum, et verum et bonum
convertuntur” [Ente, Uno, Verdadeiro e
Bom são permutáveis]).
* Uno- Todo
ente é de algum modo um e uno (a composição é imperfeição: quanto mais simples
o ser, mais perfeito).
*
Verdadeiro- Inteligibilidade do ente (verdade ontológica —“adaequatio rei ad intellectum Dei”; verdade lógica — “adaequatio intellectus hominis ad rem”).
* Bom- Tudo
que existe, por participar do ser de Deus, é bom e apetecível (o mal é ausência
de uma perfeição devida; a essência do mal é a privação da ordem).
e) Deus-
Ato Puro (não está em potência de ser algo mais perfeito), no qual a Essência
se confunde com a Existência (“Ipsum
Esse Subsistens”). Não é apenas Causa Final, mas também Eficiente de todo o
criado (Causa Primeira de tudo). Propõe 5 Vias para explicar racionalmente sua
existência:
1ª) Motor Imóvel- Tudo que se move é movido por alguém; como é
impossível uma cadeia infinita de motores, pois do contrário nunca se chegaria
ao movimento presente, então deve existir um primeiro motor que tudo moveu, mas
que não foi movido por ninguém.
2ª) Causa Incausada- A todo efeito corresponde uma causa; como é
impossível uma cadeia infinita de causas, deve existir uma primeira causa que
não foi causada por ninguém.
3ª) Ser
Necessário- Existem seres que podem ser e não ser (contingentes);
absolutamente todos os seres não podem ser contingente., pois do contrário não
existiria o mundo; deve existir ao menos um ser necessário, que fundamente a
existência dos demais seres.
4ª) Ser
Perfeito- Verificamos que há graus de perfeição nos seres, segundo um mais e
um menos; a graduação pressupõe um padrão de máximo; deve existir um ser que
possua todas essas perfeições em grau máximo, sendo a Causa da Perfeição dos
demais seres.
5ª) Inteligência Ordenadora-
Verifica-se que existe uma ordem no Universo; toda ordem é manifestação de uma
inteligência; deve existir um ser inteligente que criou ordenadamente o
Universo.
f) Teoria do Conhecimento:
O primeiro
que se conhece é o ente (“Ens est primum
cognitum”). O processo do
conhecimento seguiria as seguintes etapas:
* Species
Sensibílis- tudo o que o homem conhece, passa antes pelos sentidos (“nihil est in intellecto quod prius non
fuerit in sensu”), que captam os objetos concretos, formando no intelecto
uma representação sensível (ainda com as características individuais do objeto:
cor, tamanho, etc).
* Species
lntelligibílis- o intelecto agente (faculdade apriorística do homem)
ilumina essa imagem sensível (fantasma), extraindo o que há de essencial e
comum à espécie (abstração).
* Species
Impressa- o intelecto
agente impre no intelecto passivo (potencialidade de conhecer as coisas) a
idéia do universal captado a partir do individual, que se transforma em
conhecimento da verdade.
* Species
Expressa- o intelecto passivo exprime as idéias adquiridas através da
palavra, que representa o conceito universal anteriormente captado.
g) Antropologia:
A alma
(conceito genérico aplicável também às plantas e aos animais) é a forma
substancial do corpo e, no homem, a alma racional assume, como potências, as
faculdades inferiores (vegetativa e sensitiva), inexistindo, pois, a pluralidade
das formas.
h) Ética:
“Recta ratio agibilium” (agir de acordo com a natureza racional, que é o
principio de operações - “agere sequitur
esse”). Livre-arbítrio orientado pela consciência (sindérese - capacidade
inata de, intuitivamente, captar os ditames da ordem moral, cujo primeiro
postulado é “faz o bem e evita o mal”).
* Lei Eterna- é o
plano racional de Deus que ordena o universo (Sabedoria Divina que dirige
todas as coisas ao seu fim).
* Lei Natural- “participatio legis aeternae in rationali
creatura” (aquilo a que o homem é levado a fazer pela sua natureza racional).
Resume-se nos 10 mandamentos e é cognoscível através da razão por todos os
homens, pautando seu agir.
* Lei Positiva-
feita pelo homem para possibilitar a vida em sociedade (deve estar de acordo
com o Direito Natural, sob pena de ser injusta, não obrigando ao seu
cumprimento). Por dedução da lei natural, gera o “jus gentium” e por
especificação das normas gerais dá origem ao “jus civile”.
* Lei
Divina- revelada por Deus (os 10 Mandamentos).
* Justiça-
disposição constante da vontade de dar a cada um o que é seu (“suum cuique tribuere”):
Comutativa- entre iguais (contratos)
Distributiva-
do soberano aos súditos
Legal- dos
súditos para com o soberano
5.6 SIGÉRIO DE BRABANTE (1240-1284)
Professor
na Universidade de Paris e autor dos “Comentários de Aristóteles” e “De Anima Intellectiva , é o principal
representante do averroísmo latino.
* Sustentava a dupla verdade (prevalência da
razão sobre a fé, cada uma com seu âmbito, podendo ser contraditórias), a
eternidade do mundo e a unidade do intelecto agente (um único intelecto para
toda a Humanidade). Suas teses foram condenadas por ESTÊVÃO TEMPIER, arcebispo
de Paris, e JOHN PECKHAM, arcebispo de Canterbury (também algumas teses
tomistas, como a da “unidade da forma substancial”, foram condenadas por esses
prelados, por se basearem na filosofia aristotélica então suspeita, mas foram
depois reabilitadas). No final da vida se retratou da tese da unicidade do
intelecto agente.
5.7 FILOSOFIA EXPERIMENTAL
A Escola de
Oxford, que recebeu forte impulso com a proibição de HENRIQUE II da ida de estudantes ingleses à
Universidade de Paris, desenvolve seus próprios caminhos escolásticos, caracterizando-se,
a par da influência platônica (Escola de Chartres) e naturalista (árabe), pelo
seu cunho acentuadamente empírico e prático.
5.7.1 ROBERT GROSSETESTE (1175-1253).
Foi
chanceler da Universidade de Oxford e iniciador da filosofia empírica da natureza.
Foi bispo de Lincoln e morreu excomungado pelo Papa INOCÊNCIO IV. Autor de
“Comentários” aos livros de ARISTÓTELES e da “Metafísica da Luz”.
* Sustentou que todos os fenômenos
da Natureza são explicados pela Filosofia da Luz (através de processos de
difusão, agregação e desagregação da luz se formam as 9 esferas celestes e as 4
terrestres [terra, fogo, ar, água]).
5.7.2 ROGER BACON (1214-1292)
Discípulo
de GROSSETESTE, escreveu sua “Opus Maius”
(verdadeiro manual de ciência da época), recebendo a alcunha de “Doctor Mirabilis”, pelos contrastes
notáveis existentes em sua obra.
* Sustentou que “a verdade é filha
do tempo e a ciência é obra da humanidade e não do indivíduo”. Assim, a verdade
deve ser encontrada pelo caminho da experiência mais do que da argumentação.
* Estudioso da Física, compreendeu
as leis da ótica e inventou os óculos. Previu os inventos que seriam possíveis
através da mecânica (automóveis, aviões, submarinos, etc).
* Criticou as
traduções das obras de ARISTÓTELES (a
quem tinha como a perfeição última do homem), por considerar que os tradutores
ou não conheciam o grego, ou não conheciam o vernáculo, ou não conheciam de
filosofia e ciência.
1.0 A ESCOLÁSTICA DECADENTE
O século
XIV é marcado pela peste negra, que dizima a população européia. Nele começa a
Guerra dos 100 anos entre França e Inglaterra, que adentrará pelo século XV.
Não bastasse as vicissitudes e impactos sociais e políticos, a desorientação
espiritual provocada pelo Cisma do Ocidente (papa francês em Avinhão e papa
italiano em Roma) contribui para que no terreno filosófico se rompesse a
síntese entre fé e razão alcançada pelos grandes escolásticos.
A escolástica dos séculos XIV e XV será
marcada pelo criticismo, por se perder em questiúnculas, onde abundam as
distinções e subdistinções, até tornar a filosofia um mero jogo de palavras: o
fruto último da escolástica decadente será o nominalismo, que depois marcará
com seu caráter toda a filosofia moderna.
6.1 JOÃO DUNS ESCOTO (1266-1308)
Cognominado “Doctor Subtilis” (pela sutileza de suas
distinções), pertence à escola franciscana, mas esposa um aristotelismo aviceniano.
Foi professor em Oxford e Paris. Suas principais obras são: “Quaestiones Subtilissimae”, “Quaestiones
Quodlibetales” e “Opus Oxoniense”. Desenvolveu
uma nova síntese filosófico-teológica, distinta da tomista, não obtendo, no
entanto, a mesma harmonia.
a) Razão e Fé- possuem âmbitos
distintos de atuação (rejeita a prevalência averroísta da filosofia, a
prevalência agostiniana da teologia e a concordância tomista entre ambas). A
revelação é necessária para se atingir as realidades sobrenaturais (limites da
filosofia).
b) A Univocidade do Ente- para se
filosofar é necessário chegar a conceitos simples. Para superar a complexidade
das coisas elabora a doutrina das distinções (real que é física; formal, que
diz respeito a aspectos do mesmo ser; e modal, relativa aos graus de
determinado aspecto de um ser). O conceito mais simples a que o homem chega é o
do ente unívoco (ente enquanto ente), aplicável a tudo o que existe. Trata-se
do aspecto mais geral que há de comum entre todas as coisas. Distinções entre
ente finito (criaturas) e infinito (Deus). Cai numa metafísica das essências
ao dizer que o ente é anterior a qualquer determinação real, pois prescinde
da existência que o compõe.
c) Deus- demonstração da existência: se o mundo
existe, é certo e necessário que ele pode existir; como o fundamento de tal
possibilidade não pode ser o nada, que nada causa, então é necessário que
exista um ente primeiro, capaz de produzir todos os demais entes possíveis,
sendo, portanto, infinito. Tal conceito de Deus, por ser o mais abrangente é,
ao mesmo tempo, o mais pobre: daí a necessidade da teologia, para nos
introduzir na riqueza misteriosa de Deus.
d) Conhecimento- seu objeto próprio
não é o ente sensível (doutrina tomista), mas o ser inteligível em si (o ente
unívoco, que para S. TOMÁS era análogo).
e)
“Haecceitas”- ao defender o primado do individual mas recusar a distinção real
tomista entre essência e ato de ser, propõe a “estidade” como fundamento da
distinção real de cada ente (cada ser não seria determinação do universal, mas
seria um universal concreto).
f) Ética- “Ens et Bonum non convertuntur”: O Bem é aquilo que Deus quer e impõe. Salvo os 2 primeiros
mandamentos referentes a Deus, os outros poderiam ser diferentes, pois Deus
poderia criar um mundo diferente do que criou. A única lei a que Deus se
sujeita é a da não-contradição (o que pretendeu demonstrar é que Deus não quer
as coisas por serem boas, mas que elas são boas porque Deus as quer).
6.2 GUILHERME DE OCKHAM (1280-1349)
Pai do nominalismo, foi monge
franciscano que defendeu o retorno ao rigor de pobreza da ordem. Estudou e
lecionou em Oxford, tendo várias teses suas condenadas como heréticas pelo
papa JOAO XXII. Autor da “Summa Logicae”.
Como nunca foi promovido a “magister”
na Universidade, ficou conhecido como Inceptor
Venerabilis” (grau abaixo de
doutor).
a) Razão e Fé- separação total
entre ambas, pois a razão não estaria em condições de oferecer qualquer
suporte à fé revelada (cai no fideísmo). Buscou defender a fé demolindo a
metafísica, o que o fez cair num “supersobrenaturalismo”.
b) Os Universais- são apenas nomes
para designarem coisas semelhantes; o que existem são as coisas individuais.
c)Ciência
Experimental- o objeto do conhecimento são as coisas individuais, captadas pela
experiência sensível (distingue conhecimento intuitivo, das realidades
existentes, do conhecimento abstrativo, que abstrai da existência das coisas).
A ciência fica reduzida à experiência e à fenomenologia, pois negam-se as
causas e as leis universais.
d) Metafísica- ataca-a ferrenhamente,
mediante o princípio do “Entia non sunt
multiplicanda praeter necessitatem” (Os entes não devem ser multiplicados
sem necessidade): tal principio passou a ser conhecido como a “Navalha de
Ockham”. Nega todas as distinções que considera desnecessárias: ato e
potência, matéria e forma, substância e acidentes, causa eficiente e causa
final, essência e existência, intelecto agente e intelecto possível. Reduz,
assim, a filosofia à lógica.
e) Lógica - busca dar-lhe um
estatuto autônomo e mais rigoroso, separando-a da realidade: os termos ou nomes
seriam puros símbolos que substituem as coisas reais (termos categoremáticos),
permitindo que se estabeleçam demonstrações precisas, dada a separação entre
plano real e plano conceitual.
f) Deus - ataca as
vias tomístas de demonstração da existência de Deus como não convincentes, e
estabelece a sua: fala da causa eficiente (Deus Criador) como causa conservante
do ser das coisas, que permanecem existindo sem se causarem a si mesmas. Em
vez do “intelligo ut credam” e do “credo ut intelligam”, propõe o “credo eI intelligo”, como planos e
realidades distintas.
s coisas
não são proibidas por serem más, mas são más por Deus arbitrariamente não as
querer (poderia ser meritório odiar a Deus, se Ele assim o dispusesse).
g)Ética- como o mundo é criado pela absoluta
liberdade divina, as coisa não são proibidas por serem más, mas são más por
Deus arbitrariamente nãs as querer (poderia ser meritório odiar a Deus, se Ele
assim o dispusesse).
h)
Política - Colocou-se sob a proteção do Imperador LUDWIG sustentando a
falibidade Papal e a necessidade da separação entre o poder espiritual e o
poder temporal (Papado e Império).
6.3 MARCÍLIO DE PÁDUA (1275-1342)
Reitor da
Universidade de Paris e autor da obra “Defensor
Pacís”, foi excomungado pelo papa JOAO XXII.
* Sustentou a tese da soberania
popular (o poder deriva imediatamente do povo, também em relação ao papado) e
do Estado de Direito (governo das leis e não das pessoas). Olvidou que os princípios
democráticos aplicáveis às sociedades políticas não se adequam perfeitamente à
Igreja, cuja constituição é hierárquica e carismática, de instituição divina e
não humana (pretendeu que caberia à autoridade civil designar os candidatos ao
sacerdócio e controlar a atividade espiritual).
6.4 JOAO ECKHART (1260-1327)
Provincial dominicano da Saxônia,
busca a justificação da fé pela experiência mística (união permanente com
Deus). Teve várias de suas teses, desenvolvidas em seus “Sermões”, condenadas
por JOÃO XXII.
a) Deus- existe porque conhece (o
conhecer é fundamento de seu ser). Deus não é ser, mas estaria acima do ser (o
ser seria uma coisa críável).
b) Homem- possui uma alma com duas
faces: a razão inferior, voltada para o mundo e para o corpo; e a razão
superior, centelha da alma voltada diretamente para Deus e que deve retomar a
Deus, renunciando à própria vontade e despojando-se de todas as coisas criadas.
6.5 NICOLAU D’AUTRECOURT
Mestre secular,
que só admite o que é redutível à identidade, por força do principio de
contradição. Mais radical, porém, chega a um nominalismo tão coerente que
reduz todas as afirmações ao mesmo valor e chega a um fenomenismo geral,
conforme o qual tudo o que aparece é igualmente provável, de modo que quem
sonha estar combatendo os sarracenos ou ser um cardeal está realmente
combatendo e é de fato cardeal. Era uma doutrina bem cômoda, pois facilitava a
realização das aspirações daquele tempo: qualquer um podia contentar-se com
suas imaginações, já que muito poucos atingiam a invejável posição de cardeal.
Assim, o occamismo
prevalece vitoriosamente logo após a morte de Occam, malgrado as repetidas
condenações e proibições de ensinar a “doctrina Okamica”. Sobretudo em Paris
procurava-se fazer ver essa corrente corno antipática por ser de origem
inglesa. Mas, em vão, O nominalismo perdurará e Lutero, p. ex., se formará
nessa escola.
Ao lado dos
occamistas, aparecerão as escoras tomista, escotista, albertinista, além dos
místicos. Não havendo interesse, num apanhado tão geral quanto o nosso, em
estudar nomes secundários, veremos logo a seguir os primeiros progressos das
ciências.
6.6 OS CIENTISTAS
Entre os filósofos
do séc. XIV há alguns cujas teorias físicas se tornaram conhecidas graças aos
estudos do grande historiador das ciências, Pierre Duhem.
Arruinada pelo occamismo a
metafísica aristotélica, libertam-se alguns pensadores também da física
tradicional, Os que no séc. XIII eram os moderni, a saber, os aristotélicos
(e Occam ainda os chama assim), tornam-se em breve representantes da via
antiqua, e os modernos serão os occamistas e os que, de fato, já se aproximam
dos modernos segundo nossa apreciação atual.
O primeiro grande nome da nova
orientação científica é JOÃO BURIDAN (sem
datas conhecidas), que foi reitor em Paris. Ficou vulgarmente conhecido pela
célebre teoria de que um asno entre dois excitantes iguais, com uma atração
uniforme dos dois lados, deixar-se-ia morrer de fome, impossibilitado de escolher
(o famigerado ‘asno de Buridan”; na realidade só se encontra escrito o exemplo
de um cachorro entre a comida e a bebida). Mais importante, porém, foi sua
teoria do movimento, contrário à de Aristóteles, o qual explica a deslocação
de um corpo por uma contínua ação propulsora vinda do exterior. Buridan recorre
à idéia de um inipetus comunicado ao corpo. Essa idéia já aparecera entre os
escolásticos do séc. XIII, em Pedro de João Ouvi, o qual falava de um impulsus
que efetuava o movimento mesmo desligado do projetor, e por volta de 1320 em
Francisco de Márcia, ao ensinar que impettus se situava no corpo movido.
Buridan, porém, será o primeiro a recorrer à experiência para provar essa
teoria, estendendo-a ainda ao movimento dos astros, com o que caia por terra a
hipótese aristotélica das inteligências motoras. Conforme Duhem, a física de
Buridan constitui um dos mais grandiosos monumentos da ciência medieval.
6.6.1 NICOLAU ORESME (+ em 1382)
Mestre Teologia em
Paris e bispo de Lisieux. Escreveu em latim m francês. Além da doutrina do
impetus, salientou-se afirmação do movimento diurno da terra e da possiade de
outros sistemas planetários. Duhem proclama-o como o verdadeiro inventor da
geometria analítica, estudiosos mais recentes demonstram que, conquato tenha
recorrido a representações de tipo geométrico, não atingiu a legítima
analítica. Em todo caso, antecipou-se (ele que é também precursor de Copérnico
na mecânica celeste) três séculos a Galileu ao descobrir a fórmula espaço
percorrido pelo corpo na queda em movimento uniformemente acelerado.
6.6.2 ALBERTO DA SAXÔNIA (1316-1390)
Reitor em Paris e
primeiro a dirigir a Universidade de Viena, mais tarde bispo de Halberstadt,
continua na mesma linha, embora não aceite o movimento diurno da terra, mas só
pequenos deslocamentos do seu centro. Há ainda outros nomes menos importantes.
que formam, entretanto, através dos dois séculos seguintes o elo entre a física
parisiense e os inauguradores modemos da ciência matematizada.
Um vulto
interessante, contudo, é o de PEDRO DE
AILLY (1350-1420), “águia de França”, chanceler da Universidade de Paris,
bispo e cardeal, situando-se na passagem dos séculos XIV e XV e servindo ao
mesmo tempo de transição para os místicos quatrocentistas. Sua lmago Mundi
influiu em Colombo (54) e Américo Vespucci. Retoma na filosofia as opiniões de
João de Mirecourt, escrevendo como um cartesiano avant Ia lettre. Afirma o
valor da ciência e sobretudo da matemática. Aliás, cabe aqui lembrar o nome de
um precursor, que tem semelhança com este, por sua atitude científica e
mística: Teodorico (ou Dietrich) de Freiberg (Vriberg). dominicano do séc.
XIII, cuja explicação do arco-íris é cientificamente exata, problema com que se
ocuparam ainda Descartes e Spinoza.
Outubro / 2004
Prof. Dr. Nivaldo Alves de Souza
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