sábado, 15 de junho de 2013


4.5 PENSADORES DA ESCOLÁSTICA

4.5.1 SEVERINO BOÊCIO (480-525)

Cônsul romano, casado com RUSTICIANA, filha do se­nador SÍMACO, aceitou go­vernar a Urbe quando TEO­DORICO, rei dos ostrogo­dos a invadiu. Buscou pre­servar a cultura latina e gre­ga num mundo agora domi­nado pelos bárbaros. Foi condenado à morte quando TEODORICO achou que es­tava ajudando o Imperador JUSTINO, de Bizâncio. Foi contemporâneo de                      S. BENTO, organizador do monaca­to latino. Na prisão, escreveu o “De Consolatione Philosophiae”: a Filosofia vem con­solá-lo e mostrar-lhe quais são os verdadeiros valores.
a) Buscou compaginar PLATÃO e ARISTÓTELES, projetando tra­duzir-lhes as obras do grego para o latim, projeto interrompido pe­la trágica morte. Para preservar todas as ciências, intentou transmi­ti-las, no que pudesse, aos bárbaros: resumiu a geometria de EUCLI­DES, para que vissem a importância da matemática e geometria.
b) Lógica — completou o quadrado lógico de APULEIO:

1        Todos os homens                                 contrárias                                            Nenhum homem

            são justos                                                                                               é justo
 


            subalternas                             contraditórias                                     subalternas
           
           Algum homem                          subcontrárias                                      Album homem
            é justo                                                                                                      não é justo

e) Problema dos Universais-  só existem no intelecto (são incorpó­reos), pois na realidade apenas exis­tem os seres singulares; mas, abstraindo dos seres singulares suas características comuns, são obtidos os universais (o intelecto extrai dos cor­pos o que estes têm de incorpóreo: a forma separada e pura).
d) Definição de Pessoa- “rationalis naturae individua substantia” (subs­tância individual de natureza racional).
e) Definição de Eternidade- “interminabilis vitae tota simul atque per­fecta possessio” (posse perfeita, total e simultânea de uma vida interminável).
f) Problema do Mal- os homens não captam a ordem da providên­cia divina e cometem um erro de avaliaçao ao buscarem a felicidade em bens perecíveis, que não a trazem.

4.5.2 CASSIODORO (480-570)

Também foi senador e ministro de TEO­DORICO junto com BOÉCIO. Em 540, retirou-se da vida pública, fundando o mosteiro “Vivarium” (onde se come­ça a incluir a cultura no ideal do mon­ge), no qual faleceu.
Escreveu o “De Anima” (procurando demonstrar a espiritualida­de e imortalidade da alma), uma História dos Godos e o “Institu­tiones Divinarum et Saecularium Litterum”: um plano de estudos li­berais para os clérigos, que incluía, além da filosofia e teologia, o trivium (gramática, dialética e retórica) e o quadrivium (aritmétrica, geometria, astronomia e música).

4.5.3 S. ISIDORO DE SEVILHA (560-636)

Bispo de Sevilha, pre­sidiu o IV Concílio de Toledo (633).
* Autor das “Etymologiae” (obra enciclopédica de consulta obrigatória por séculos), que trata, em 20 livros, das 7 artes liberais e de ramos do saber humano, sustentando que através da etimo­logia é possível chegar ao significado das coisas.

4.5.4 ALCUÍNO DE YORK (730-804)

Professor da escola Catedra­lícia de York, deixou mais tarde a Inglaterra e tornou-se diretor da escola palatina de Aquisgran organizada por CARLOS MAGNO.
* Elaborou manuais para cada uma das 7 artes liberais, destacan­do-se por seu método didático dialogado, de conversa entre pro­fessor e aluno.

4.5.5 JOÃO ESCOTO ERÍGENA (810-880)

Dirige a escola palati­na a partir de 845, du­rante o reinado de CARLOS, o Calvo (su­cessor de CARLOS MAGNO). Busca trans­formar as artes liberais (especialmente o tri­vium) de conteúdo de erudição em instrumen­to de penetração das verdades cristãs. Sua doutrina acabou sendo condenada no sínodo de Valenciennes, como de caráter panteísta.
a) “De Praedestinatione”- obra escrita para refutar a tese da predes­tinação dos bons e dos maus, de GOTES­CALCO. Como acredita que a fé pode ser totalmente explicada pela razão (“nemo intrat in coelum nisi per philosophiam”) cai em erros como o de negar a eternidade do in­ferno para refutar a dupla predestinação.
b) “De Divisione Naturae” calcado no PSEUDO-DIONÍSIO, de­senvolve a orientação neoplatônica da hierarquia da natureza, com um cami­nho de emanação e retomo (Deus es­taria acima do Ser: o super ou supra-Ser):
* Natureza que cria e não é criada — Deus (Pai) Criador.
* Natureza que é criada e cria — as Idéias (Logos, Verbo) como arquétipos eternos das coisas criadas.
* Natureza que é criada e não cria — anjos, homens e demais seres.
* Natureza que não é criada e não cria — Deus, como termo fi­nal de tudo.
e) Efeitos sociais — forja a mentalidade feudal fundada na hierar­quia do poder como reflexo de uma hierarquia mais ampla.

4.5.6 S. PEDRO DAMIÃO (1007-1072)

Sua canonização, pela san­tidade de vida, não repre­senta um endosso da Igre­ja à sua postura filosófica anti-dialética e de total aversão ao mundo. Foi Ere­mita e depois bispo de Ostia, sendo autor do “De Di­vina Omnipotentia”.
* Condena os que elevam a dialética e a razão a tão importante posto que chegam a ir contra algumas verdades de fé. Sustenta que a filosofia deve apenas servir à teologia, como uma escrava a ser mantida acorrentada (“philosophia ancilla theologiae”).


4.5.7 S. ANSELMO (1033-1109)

Tornou-se monge beneditino, che­gando a prior e abade. Sucedeu a LANFRANC em 1093 como arce­bispo de Canterburry, disputando com o rei HENRIQUE I sobre a questão das investiduras. Conside­rado o Pai da Escolástica. Busca penetrar com a luz da razão as verdades da fé, fundamentando-as com razões indiscutíveis.
a) Provas da Existência de Deus:
* A posteriori (no “Monologium”) — a partir das coisas criadas (sua bondade, grandeza, perfeição e existência em diversos graus de­monstra que deve existir um Ser necessário e perfeito que seja a causa de todas as coisas criadas).
* A priori (no “Proslogion”) — Deus é aquilo do qual nada maior se pode pensar (“id quo maius cogitare nequit”). Ora, se não existisse, não seria o maior; logo, deve existir (“argumento ontológico” — deduz a existência de Deus do próprio conceito de Deus: GAUNI­LO (monge).   S. TOMÁS DE AQUINO, KANT e B. RUSSELL o rejeitaram, por não se poder passar, sem mais, do campo lógico ao ontológico; S. BOAVENTURA, DESCARTES e LEIBNIZ o acolhe­ram como válido).
b) Fé e Razão:
* “fides quaerens intellectum” (a fé que busca a com­preensão) e “credo ut intelligam” (creio para enten­der) — esclarecer com a razão o que já se possui pe­la fé (precedência da fé sobre a razão).

4.5.8 BERNARDO DE CHARTRES (1050-1125)

Da escola da cate­dral de Chartres. Não tendo deixado escritos, sua doutri­na nos é transmiti­da por seus discí­pulos TEODORI­CO DE CHAR­TRES, GILBERTO PORRETA e JOÃO DE SALISBURY.
a) Sustentava que, para filosofar, o intelecto devia ser iluminado pe­lo “quadrivium” e possuir os instrumentos ofertados pelo “trivium” (cultivo de todas as artes liberais: cultura humanística completa).
b) Os modernos seriam anões que, colocados sobre os ombros dos antigos, que seriam gigantes (pela robustez de seus fundamen­tos), poderiam ter uma visão privilegiada da realidade (vendo de cima melhor e mais longe).
c) Preocupação maior com a filosofia da natureza: fundamento no “Timeu” de PLATÁO - Deus é o Uno e a matéria por Ele cria­da é o múltiplo (Deus criou o céu e a Terra — “Céu” é o fogo e o ar; e “Terra” é a água e a terra: os 4 elementos).

4.5.9 ROSCELIN DE COMPIÊGNE (1050-1121)

Mestre em Paris e pai do nominalis­mo.
* Sustentava que os universais não passavam de meros vocábulos (“flatus voces”), não tendo nenhum valor, pois nada existe além da individualidade.
* Com essa postura filosófica do singular, chegou a sustentar o tri­teísmo, pois não haveria uma unidade de natureza entre as 3 Pes­soas Divinas (suas doutrinas foram condenadas no concílio de Soissons).

4.5.10 GUILHERME DE CHAMPEAUX (1070-1120)

Discípulo de ROS­CELIN, adota pos­tura diametral­mente oposta à do mestre e ultra-rea­lista na questão dos universais.
* Sustenta haver perfeita adequação entre os conceitos universais e a realidade (o universal existiria “in re”). Atacado por seu discí­pulo ABELARDO (que mostrou a impossibilidade de uma essêcia idêntica existir nos sujeitos singulares, que apresentam formas diversas: contradição), abandonou sua cátedra em Paris, fixando residência na abadia de S. Vitor, onde fundou a nova escola.

4.5.11 PEDRO ABELARDO (1079-1142)

Ocupou a cátedra da esco­la de Nôtre Dame, notabi­lizando-se por seu espírito crítico em relação às dou­trinas professadas por seus mestres (ninguém conse­guia vencê-lo nos debates, o que acarretou-lhe a inve­ja de muitos). Teve um ro­mance com a jovem litera­ta HELOISA, com quem se casou em segredo. A fa­mília da jovem, no entanto, ao vê-la grávida, capturou ABELARDO e o castrou. Com isso, ambos decidi­ram entrar para o conven­to. Algumas teses suas so­bre a Ssma. Trindade fo­ram condenadas pelo Con­cílio de Soissons (1121). Desgostoso, escreveu a obra “Historia Calamitatum Mearum”. Morreu no mos­teiro de Cluny.
a) “Dialectica”-  a dialética exige a análise dos termos da lingua­gem, determinando sua função e significado. Pro­cura estabelecer a relação entre as voces e as res: os universais são categorias lógico-linguísticas (“sermones”) que medeiam o mundo do pensa­mento e o mundo do ser, significando o status co­mum de uma pluralidade de sujeitos (posição moderada entre realismo e nominalismo, desig­nada como conceitualismo).
b) Razão -  tem a capacidade de distinguir e separar os diversos ele­mentos que estão unidos na realidade, captando entre os indivíduos da mesma espécie um aspecto peculiar que compartilham. Supõe a fidelidade às normas da ló­gica e é indispensável para a inteligibilidade das verda­des da fé, não, porém, para sua compreensão, que é um dom exclusivo de Deus (“intelligo ut credam”).
c) Ética - fundada na consciência e na intenção: o pecado não es­tá na vontade de fazer algo de contrário à lei divina, mas no consentimento da vontade em realizá-lo (subjetivis­mo ético desenvolvido na obra “Ethíca seu Scito te ipsum”).
d) Teologia - escreveu o De Unitate et Trinitate Divina”, cujos er­ros teológicos foram apontados por S. BERNARDO e condenados no sínodo de Soissons (1121).
a)                  “Sic et Non” - obra em que recolhe textos dos Santos Padres que seriam contraditórios, sustentando que só a razão nos capacitaria a optar entre autoridades contra­ditórias.

4.5.12 HUGO DE S. V1TOR (1096-1141)

Discípulo e sucessor de GUI­LHERME DE CHAMPEAUX na escola da abadia agosti­niana de  S. Vítor e autor do “Didascalicon” (obra comple­ta e sistemática sobre todo o saber da época), considerou a filosofia como meio de se alcançar a contemplação de Deus (via mística).
a) “Artes Mecânicas” - valoriza as disciplinas não-liberais (agri­cultura, artesanato, indústria, teatro, etc) como propícias à elevação da condição hu­mana (todas as ciências seriam úteis para levar àquilo que verdadeiramente impor­ta: o amor de Deus).
b) Elevação Mística — da “cogitatio” (visão superficial), pela “me­ditatio” (reflexão detida), à “contemplatio” (in­tuição profunda): esta última, preparada pe­lo exercício das virtudes, leva ao mergulho em Deus.
a)          - especialmente para as coisas “supra rationem”, que são su­periores à razão

4.5.13  S. BERNARDO DE CLARAVAL (1090-1153)

Cognominado de “Doctor Melli­fluus” (como grande Mestre da Mística), arrastou mais de 30 com­panheiros quando decidiu abraçar a vida monástica, sendo depois fun­dador de 68 mos­teiros cistercien­ses e animador das cruzadas.
·         Combateu a dialética racionalista, sendo adversário de ABELAR­DO: a verdadeira filosofia estaria no amor a Cristo crucificado.

4.5.14 PEDRO LOMBARDO (1100-1160)

Estudante na abadia de S. Vitor, mestre na Escola Catedralícia de Notre Dame e depois bispo de Pa­ris, notabilizou-se como autor das “Sentenças” (Li­bri Quattuor Sententiarum), que eram uma antologia abrangendo toda a teolo­gia e recolhendo as inter­pretações da patrística à S. Escritura. Foi muito co­mentado durante toda a Idade Média.
* “Sentenças”:
Livro — Deus Uno e Trino
Livro — Deus Criador, a Graça e o Pecado
Livro — Encarnação, as Virtudes e os Mandamentos
Livro — Sacramentos e os Novíssimos.

4.5.15 JOÃO DE SALISBURY (1110-1180).

Nascido na Inglaterra, es­tudou na França, na esco­la de Chartres, tendo ABELARDO por mestre.
Passou alguns anos na Corte pontíficia e depois tornou-se secretário de THOMAS BECKET, arce­pisbo de Canterbury, após cujo assassinato a mando de HENRIQUE II voltou para a França, tornando-se bispo de Chartres.
* “A gramática é o berço de toda a filosofia” (reconhecia sua natu­reza instrumental e combatia os que abusavam das sutilezas).
* Moderação entre a verbosidade e o dogmatismo: as soluções filo­sóficas sobre os problemas não seriam definitivas nem absolutas, mas apenas tentativas de explicar os fenômenos.
“Metalogicus” - obra onde rompe com a tradição platônica dos universais e adota uma postura de base aristo­télica: Deus só criou seres individuais; os uni­versais só existem no pensamento, mas nunca nas coisas (prenúncio do nominalismo pela for­ma de exposição).
“Policraticus”- obra de teoria política em que sustenta que a autoridade eclesiástica é a alma da sociedade e a autoridade civil o seu corpo (a 1ª superior à 2ª, devendo estar subordinada à lei divina (per­de legitimidade se não a respeita).



4.5.16 JOAQUIM DE FIORE (1130-1202)

Abade calabrês que desen­volve uma concepção tri­nitária da História, num idealismo exacerbado:
a) Era do Pai: Antigo Testamento; tempo dos casados e dos leigos.
b) Era do Filho: inaugurada pela Encarnação; tempo dos clérigos e da Igreja instituída.
a)        Era do Espírito Santo: inaugurada por S. BENTO; tempo dos mon­ges, com renovação radical, libertação do pe­so das instituições e dos problemas mate­riais, num verdadeiro paraíso terreno (visão que a época propiciava, em face da socieda­de cristã estendida e próspera).

4.5.17ALANO DE LILLE (1140-1203)

Autor da “Maximae Thtalogiae”, tenta estabelecer a matemati­zação da teologia: partindo de axiomas absolutamente claros, poder-se-ia oferecer razões prováveis para a fé.
* Deus seria forma sem forma e não teria ser: seria “esfera inteli­gível, cujo centro está em todas as partes e a circtmferéncia em ne­nhuma” (esquece que Deus é o Ser por essência).

4.5.18 AMALRICO DE BÉNE (1140-1206).

Da escola de Chartres, sus­tentou, baseado em ESCOTO ERÍGENA, um panteísmo onde Deus se­ria a forma substancial de todas as coisas: tudo é Deus e Deus está em to­das as partes (todas as coi­sas são Deus). Na ética, a conseqüência é que tudo o que se faz é bom. Tem suas teses condenadas pe­la Igreja.

4.5.19 DAVID DE DINANT (1150-1210)

Também da escola de Char­tres, dele escreveu S. TO­MÁS DE AQUINO que “sustentou estultamente que a matéria prima era Deus” (o verdadeiro Ser seria matéria, que se con­funde com Deus e com a Natureza, como diria mais tarde SPINOZA).

4.6 OS FILÓSOFOS ÁRABES

É através dos filósofos árabes que o Ocidente Cristão irá tomar contato mais profundo com as obras de Aristóteles.

4.6.1 AVICENA (980-2037)

Seu nome árabe era IBN SINA. Viveu na Pérsia, onde ocupou cargos públi­cos e foi médico. Comentou as obras de ARISTÓTELES, desenvolvendo uma síntese do aristotelismo como neoplatonismo, de forma a harmoni­zá-lo com a religião islâmica. Autor de uma suma filosófica em 18 livros, denominada “A Cura da Alma”.
a) Distinções:
* Ente - é a coisa concreta, primeira a ser conhe­cida (“ens est primum cognitum”).
* Essência - é a abstração (o “quid est”) (Ex.: hu­manidade e homem).
* Ser possível  - que não inclui necessariamen­te a existência no conteúdo da essência; que existe de fato, mas poderia não existir; ser contingente (existe por outro, sendo causado).
* Ser necessário - no qual a essência se confun­de com a existência (só existe um e é Deus - “Pensamen­to de pensamento”).
b) Emanacionismo:
Recai no mesmo equívoco plotiniano do mun­do como emanação necessária de Deus: sus­tentou a necessidade da criação, que emana de Deus numa seqüência de 10 esferas concêntri­cas, em que a última — a sublunar — é ani­mada pelo Intelecto Agente, que daria as for­mas substanciais à matéria prima (“materia prima quantitate signata”). Esse intelecto agen­te único infundiria nos corpos humanos a al­ma espiritual incorruptível e operaria a pas­sagem da potência ao ato do intelecto huma­no, irradiando-lhe as idéias abstratas.
c) Alma:
É a primeira perfeição do corpo natural orgânico, dota­do de operações vitais (princípio que rege o corpo).

4.6.2 ÁVERRÕIS (1126-1198)


Seu nome árabe era IBN ROSCHD. Nascido em Córdova durante a do­minação muçulmana, foi o grande comentador de ARISTÓTELES, di­fundindo a teoria hilemórfica do es­tagirita (“Comentários sobre as Obras de Aristóteles”). Sua coerên­cia com as teses aristotélicas, condu­zindo a conclusões materialistas, le­vou as autoridades religiosas muçul­manas e cristãs a restringir o uso de suas obras (as traduções da Física e Metafísica de ARISTÓTELES foram inicialmente proibidas de serem li­das, até posterior compatibilização com a fé).
a) Primado da Razão - a verdade que se atinge com a filosofia va­leria mais do que aquela recebida através da revelação (os textos religiosos deveriam ser interpretados no sentido exigido pela razão).
b) Eternidade do Mundo - Deus não seria criador, mas animador da energia que existe no Universo des­de toda a eternidade.
c) Unicidade do Intelecto Humano - o intelecto não poderia ser in­dividual, como forma do cor­po, pois não captaria as for­mas inteligíveis de caráter universal. Assim, o intelecto seria único para toda a huma­nidade, não misturado com a matéria, e acumulando, ao longo da história, as conquis­tas do saber. Consequencias: negação da imortalidade da alma e induzimento ao hedo­nismo, dada a transitoriedade da existência humana.

4.7 OS FILÓSOFOS JUDEUS


Receberam a influência das culturas helênica e árabe e as re­transmitiram ao Ocidente Cristão, com seu cunho mais neoplatônico.

4.7.1 ISAAC JUDAEUS (865-955)

Filósofo neoplatônico que, segun­do S. TOMÁS DE AQUINO, te­ria definido a verdade como a “adequação do entendimento às coisas” (“Veritas est adequatio rei et intellectus”).

4.7.2 AVICEBRON (1021-1058)

Seu nome judaico-árabe era SALO­MAO IBN GEBIROL. Autor de ‘Fons Vitae”, obra de caráter neo­platônico em que procura harmoni­zar a razão com a religião judaica e propõe o hilemorfismo universal (até os anjos seriam compostos de matéria e forma, menos Deus).

4.7.3 MOISÉS MAIMÔNIDES (1135-1204)

Nascido em Córdova, foi depois para o Cai­ro, onde se tornou médico na corte do sultão SALADINO. Escreveu o “Guia dos Perplexos”, para su­perar as aparentes contradições entre fé e razão.
a) Criacionismo - sustenta a criação do mundo “ex nihilo”, pela Vontade livre de Deus, como ensinado pela fé, já que as provas aristotélicas da eternidade do mundo não seriam decisivas.
b) Unicidade do Intelecto Agente - seria separado dos homens e que atualizaria o intelecto passivo individual (o homem não seria imortal como indiví­duo, mas apenas como parte do intelecto ativo).

5.0 A ALTA ESCOLÁSTICA

O período áureo da Escolástica se dá no século XIII, com o surgimento das ordens mendicantes, fundadas por S. FRANCISCO (1181-1226) e S. DOMINGOS (1170-1221), que foram fator de renovação da Igreja e elemento de poderoso renascimento científico, uma vez que se incorporaram em suas fileiras homens notáveis, que sou­beram aliar a santidade de vida com o cultivo da ciência.

5.1 GUILHERME DE AUVERN1A (1180-1219)

Bispo de Paris, busca uma sín­tese de agosti­nismo (neopla­tonismo) e aris­totelismo (avi­ceniano). Autor de “Magiste­rium Divinale”.
* Introduz a distinção real entre essência e existência e coloca Deus como o intelecto agente graças ao qual conhecemos as coisas. Su­prime as várias esferas entre Deus e as criaturas (é a causa dire­ta de todas as coisas), mas não consegue superar a concepção do intelecto agente como exterior ao homem.

5.2 ALEXANDRE DE HALES (1185-1245)

Natural da Inglaterra, ingressa na ordem franciscana quando já era catedrático de teo­logia na Universidade de Paris e inicia a es­cola agostiniano-fran­ciscana.
* Por seu enorme prestígio e saber é cognominado na época como “Docton Irrefragabilis” (Doutor Incontestável), não obstante o de­sacerto de algumas de suas teses.
* Em sua obra “Summa Universae Theologiae” ataca a tese da eterni­dade do mundo e sustenta a teoria do exemplarismo, das razões seminais, da pluralidade das formas (alma independente, com ma­téria e forma) e da iluminaçâo (as coisas superiores só seriam co­nhecidas pela iluminação do intelecto por Deus).

5.3 S. BOAVENTURA (1218-1274)

Discípulos de ALEXANDRE DE HALES, foi o expoente máximo da escola franciscana, tendo sido eleito supe­rior da ordem (restaurou-a, como um segundo funda­dor) e feito cardeal. Presidiu os trabalhos preparatórios do Concílio de Lion. Teve restrições à utilização da li­losofia aristotélica, preferin­do o agostinianismo. Autor de 3 séries de “Collationes” e do “ltinerarium Mentis in Deuni”. Cognominado “Doc­tor Seraphicus”.
a) Filosofia - quando autônoma, conduz ao erro. Deve ser instru­mento para a teologia e para a mística (filosofia cris’ tã, que não pode estar separada da fé revelada e de­ve conduzir à salvação).
b) Exemplarismo - em Deus se encontram as Idéias ou modelos de tudo o que existe (estão no Verbo). No mundo, as criaturas são vestígio (os irracionais), ima­gem (os racionais) ou semelhança (os redimi-dos) de Deus. A raiz dos erros de ARISTÓTE­LES estaria na rejeição da teoria das Idéias de PLATÃO, pois conduz à eternidade do mundo, com Deus sendo apenas causa final, o que im­plica um necessitarísmo e a unidade do intelec­to agente, para fugir da infinitude das almas existentes.
c) “Rationes Seminales”- segue a doutrina agostiniana de que Deus, ao criar o mundo, já colocou ne­le os germes de tudo o que poderá vir a ser, evoluindo (formas intrínsecas co­locadas na matéria desde a criação).
d) Teoria da Iluminação - também agostiniana, explica o conheci­mento como uma luz divina sobre o in­telecto, dando-lhe a apreensão dos con­ceitos universais (co-intuição).
e) Pluralidade das Formas - para preservar a individualidade da alma humana, considera que também é composta de matéria e forma (pa­ra subsistir após a morte), sendo, por sua vez, forma do corpo (com essa visão, a unidade do homem fica em parte comprometida).
f) Deus – seria o “primum cognitum”(primeiro conhecido) demonstrando-se sua existência pela via ontológiva: “Se Deus é Deus, Deus é”.

5.4 S. ALBERTO MAGNO (1205- 1280)

Mestre dominicano que ensinou em Paris e Co­lônia, tendo inserido o aristotelismo no pensamento cristão (necessi­dade de se apoiar na ra­zão quanto às coisas na­turais e especialmente no método experimen­tal).
* Autor da “Summa De Creaturis” e dos tratados “Sobre os Vege­“, “Sobre os Minerais” e “Sobre os Animais”. Pelo seu conhececimento abrangente do saber da época, foi denominado “Doctor­ Universalis” (buscou colocar à disposição dos homens de seu tempo todo o patrimônio filosófico do passado, sendo prossegui­dor neoplatonismo árabe mais do que aristotélico).
* Sua doutrina sobre a alma conjuga ARISTÓTELES com AVICENA(não é simples forma do corpo, mas motor, substância e intelecto).

5.5 TOMÁS DE AQUINO (1225-1274)

Foi o expoente máximo da escolástica medieval. Cognominado de “Doctor Communis” ou “Doctor Angelicus”, con­seguiu compaginar o aristotelismo com o cristianismo, de forma a obter uma base filo­sófica sólida para a teo­logia, retificando os er­ros materialistas do Es­tagirita.
a) Vida:
* Nasceu em Roccasecca, filho do Conde de Aquino.
* Foi levado à abadia beneditina de Montecassino, onde recebeu a educação e se esperava que viesse a ser seu abade.
* Quando a abadia foi atacada por FREDERICO II, continuou seus estudos em Nápoles, onde entrou para a ordem mendican­te dos dominicanos.
* Raptado e provado pela família quanto a sua vocação, vai de­pois a Paris, onde se toma discípulo de S. ALBERTO MAGNO, que se impressiona com sua inteligência (quando lhe atribulam a alcunha de “boi mudo”, S. ALBERTO disse: “Quando esse boi mugir, o mundo inteiro vai ouvir o seu mugido”).
* Autor da “Summa Contra Gentiles” e da “Summa Theologiae”. Ao final da vida teve uma visão de Deus, após a qual disse a seu secretário REGINALDO, que tudo o que escrevera não passa­va de palha, razão pela qual não pôde mais continuar escreven­do (REGINALDO concluiu a “Suma Teológica”).
* Morreu em Fossanova, quando ia para Lion assistir ao concílio por ordem do Papa GREGÓRIO X.
b) Filosofia:
Não pode ser substituida pela Teologia, mas apenas aperfeiçoada (como a fé e a graça não suprimem, mas aperfeiçoam a razão e a natureza). Não pode ha­ver contradição entre fé e razão, pois a fonte da Ver­dade é única: Deus (Autor da Natureza e da Reve­lação). É necessária uma correta filosofia para ser possível uma boa teologia.
c) Metafísica:
Fundamenta-se na distinção real entre essência (o que a coisa é) e ato de ser (“actus essendi”, pelo qual a coisa passa a existir e que procede de Deus). Desenvolve as idéias do ser por participação (cria­turas que participam do Ser de Deus) e da analo­gia do ser (as criaturas se assemelham a Deus, mas estão mais próximas da equivocidade do que da univocidade, dada a distância entre o Ser de Deus e das criaturas; máxima relação de pertença e má­xima distância).
d) Os Transcendentais:

Equivalentes” do ser que transcendem os predicamentos e constituem facetas do Ser (“Ens et unum, et verum et bonum convertuntur[Ente, Uno, Verdadeiro e Bom são permutáveis]).

* Uno- Todo ente é de algum modo um e uno (a composição é imperfeição: quanto mais simples o ser, mais perfeito).
* Verdadeiro- Inteligibilidade do ente (verdade ontológica —“adaequatio rei ad intellectum Dei”; verdade lógi­ca — “adaequatio intellectus hominis ad rem”).
* Bom- Tudo que existe, por participar do ser de Deus, é bom e apetecível (o mal é ausência de uma perfeição devi­da; a essência do mal é a privação da ordem).
e) Deus- Ato Puro (não está em potência de ser algo mais perfei­to), no qual a Essência se confunde com a Existência (“Ip­sum Esse Subsistens”). Não é apenas Causa Final, mas também Eficiente de todo o criado (Causa Primeira de tudo). Propõe 5 Vias para explicar racionalmente sua existência:
1ª) Motor Imóvel- Tudo que se move é movido por alguém; co­mo é impossível uma cadeia infinita de mo­tores, pois do contrário nunca se chegaria ao movimento presente, então deve existir um primeiro motor que tudo moveu, mas que não foi movido por ninguém.
2ª) Causa Incausada- A todo efeito corresponde uma causa; co­mo é impossível uma cadeia infinita de causas, deve existir uma primeira causa que não foi causada por ninguém.
3ª) Ser Necessário- Existem seres que podem ser e não ser (con­tingentes); absolutamente todos os seres não podem ser contingente., pois do contrário não existiria o mundo; deve existir ao me­nos um ser necessário, que fundamente a existência dos demais seres.
4ª) Ser Perfeito- Verificamos que há graus de perfeição nos se­res, segundo um mais e um menos; a gradua­ção pressupõe um padrão de máximo; deve existir um ser que possua todas essas perfei­ções em grau máximo, sendo a Causa da Per­feição dos demais seres.
5ª) Inteligência Ordenadora- Verifica-se que existe uma ordem no Universo; toda ordem é mani­festação de uma inteligência; de­ve existir um ser inteligente que criou ordenadamente o Universo.
f) Teoria do Conhecimento:
O primeiro que se conhece é o ente (“Ens est primum cognitum”). O pro­cesso do conhecimento seguiria as seguintes etapas:
Species Sensibílis- tudo o que o homem conhece, passa antes pelos sentidos (“nihil est in intellecto quod prius non fuerit in sensu”), que captam os objetos concretos, formando no intelecto uma representação sensível (ainda com as características individuais do objeto: cor, tamanho, etc).
*   Species lntelligibílis- o intelecto agente (faculdade apriorís­tica do homem) ilumina essa imagem sensível (fantasma), extraindo o que há de essencial e comum à espécie (abstra­ção).
Species Impressa- o            intelecto agente impre no intelecto pas­sivo (potencialidade de conhecer as coisas) a idéia do universal captado a partir do in­dividual, que se transforma em conheci­mento da verdade.
Species Expressa- o intelecto passivo exprime as idéias adqui­ridas através da palavra, que representa o conceito universal anteriormente captado.
g) Antropologia:
A alma (conceito genérico aplicável também às plantas e aos animais) é a forma substancial do corpo e, no homem, a alma racional assume, co­mo potências, as faculdades inferiores (vegeta­tiva e sensitiva), inexistindo, pois, a pluralida­de das formas.
h) Ética:
“Recta ratio agibilium” (agir de acordo com a natureza ra­cional, que é o principio de operações - “agere sequitur esse”). Livre-arbítrio orientado pela consciência (sindé­rese - capacidade inata de, intuitivamente, captar os di­tames da ordem moral, cujo primeiro postulado é “faz o bem e evita o mal”).
* Lei Eterna- é o plano racional de Deus que ordena o univer­so (Sabedoria Divina que dirige todas as coisas ao seu fim).
* Lei Natural- “participatio legis aeternae in rationali creatura” (a­quilo a que o homem é levado a fazer pela sua natureza racional). Resume-se nos 10 mandamentos e é cognoscível através da razão por todos os homens, pautando seu agir.
* Lei Positiva- feita pelo homem para possibilitar a vida em so­ciedade (deve estar de acordo com o Direito Na­tural, sob pena de ser injusta, não obrigando ao seu cumprimento). Por dedução da lei natural, gera o “jus gentium” e por especificação das nor­mas gerais dá origem ao “jus civile”.
* Lei Divina- revelada por Deus (os 10 Mandamentos).
* Justiça- disposição constante da vontade de dar a cada um o que é seu (“suum cuique tribuere”):
Comutativa- entre iguais (contratos)
Distributiva- do soberano aos súditos
Legal- dos súditos para com o soberano

5.6 SIGÉRIO DE BRABANTE (1240-1284)

Professor na Univer­sidade de Paris e au­tor dos “Comentá­rios de Aristóteles” e “De Anima Intellecti­va , é o principal re­presentante do aver­roísmo latino.
*  Sustentava a dupla verdade (prevalência da razão sobre a fé, ca­da uma com seu âmbito, podendo ser contraditórias), a eternida­de do mundo e a unidade do intelecto agente (um único intelec­to para toda a Humanidade). Suas teses foram condenadas por ES­TÊVÃO TEMPIER, arcebispo de Paris, e JOHN PECKHAM, arce­bispo de Canterbury (também algumas teses tomistas, como a da “unidade da forma substancial”, foram condenadas por esses pre­lados, por se basearem na filosofia aristotélica então suspeita, mas foram depois reabilitadas). No final da vida se retratou da tese da unicidade do intelecto agente.

5.7 FILOSOFIA EXPERIMENTAL


A Escola de Oxford, que recebeu forte impulso com a proibi­ção de HENRIQUE II da ida de estudantes ingleses à Universida­de de Paris, desenvolve seus próprios caminhos escolásticos, carac­terizando-se, a par da influência platônica (Escola de Chartres) e na­turalista (árabe), pelo seu cunho acentuadamente empírico e prático.

5.7.1 ROBERT GROSSETESTE (1175-1253).

Foi chanceler da Uni­versidade de Oxford e iniciador da filoso­fia empírica da natu­reza. Foi bispo de Lincoln e morreu ex­comungado pelo Pa­pa INOCÊNCIO IV. Autor de “Comentá­rios” aos livros de ARISTÓTELES e da “Metafísica da Luz”.
* Sustentou que todos os fenômenos da Natureza são explicados pe­la Filosofia da Luz (através de processos de difusão, agregação e desagregação da luz se formam as 9 esferas celestes e as 4 terres­tres [terra, fogo, ar, água]).

5.7.2 ROGER BACON (1214-1292)

Discípulo de GROSSETESTE, escreveu sua “Opus Maius” (verdadeiro manual de ciência da época), recebendo a alcu­nha de “Doctor Mirabilis”, pe­los contrastes notáveis existen­tes em sua obra.
* Sustentou que “a verdade é filha do tempo e a ciência é obra da humanidade e não do indivíduo”. Assim, a verdade deve ser en­contrada pelo caminho da experiência mais do que da argumentação.
* Estudioso da Física, compreendeu as leis da ótica e inventou os óculos. Previu os inventos que seriam possíveis através da mecâ­nica (automóveis, aviões, submarinos, etc).
* Criticou as traduções das obras de ARISTÓTELES (a quem tinha como a perfeição última do homem), por considerar que os tradu­tores ou não conheciam o grego, ou não conheciam o vernáculo, ou não conheciam de filosofia e ciência.

1.0  A ESCOLÁSTICA DECADENTE


O século XIV é marcado pela peste negra, que dizima a popu­lação européia. Nele começa a Guerra dos 100 anos entre França e Inglaterra, que adentrará pelo século XV. Não bastasse as vicissitu­des e impactos sociais e políticos, a desorientação espiritual provo­cada pelo Cisma do Ocidente (papa francês em Avinhão e papa ita­liano em Roma) contribui para que no terreno filosófico se rompes­se a síntese entre fé e razão alcançada pelos grandes escolásticos.
A escolástica dos séculos XIV e XV será marcada pelo criticis­mo, por se perder em questiúnculas, onde abundam as distinções e subdistinções, até tornar a filosofia um mero jogo de palavras: o fruto último da escolástica decadente será o nominalismo, que de­pois marcará com seu caráter toda a filosofia moderna.

6.1 JOÃO DUNS ESCOTO (1266-1308)

Cognominado “Doctor Subtilis” (pela sutileza de suas distinções), pertence à escola fran­ciscana, mas esposa um aristotelismo avi­ceniano. Foi professor em Oxford e Paris. Suas principais obras são: “Quaestiones Sub­tilissimae”, “Quaestiones Quodlibetales” e “Opus Oxoniense”. Desenvol­veu uma nova síntese filosófico-teológica, distinta da tomista, não obtendo, no entan­to, a mesma harmonia.
a) Razão e Fé- possuem âmbitos distintos de atuação (rejeita a pre­valência averroísta da filosofia, a prevalência agos­tiniana da teologia e a concordância tomista entre ambas). A revelação é necessária para se atingir as realidades sobrenaturais (limites da filosofia).
b) A Univocidade do Ente- para se filosofar é necessário chegar a conceitos simples. Para superar a complexidade das coisas elabora a doutrina das distinções (real que é física; formal, que diz respeito a as­pectos do mesmo ser; e modal, rela­tiva aos graus de determinado aspecto de um ser). O conceito mais simples a que o homem chega é o do ente unívoco (ente enquanto ente), aplicável a tudo o que existe. Trata-se do aspecto mais geral que há de comum entre todas as coisas. Distin­ções entre ente finito (criaturas) e infinito (Deus). Cai numa metafísi­ca das essências ao dizer que o en­te é anterior a qualquer determina­ção real, pois prescinde da existên­cia que o compõe.
c)    Deus- demonstração da existência: se o mundo existe, é certo e necessário que ele pode existir; como o fundamento de tal possibilidade não pode ser o nada, que nada causa, então é necessário que exista um ente primeiro, capaz de produzir todos os demais entes possíveis, sendo, portan­to, infinito. Tal conceito de Deus, por ser o mais abran­gente é, ao mesmo tempo, o mais pobre: daí a necessi­dade da teologia, para nos introduzir na riqueza miste­riosa de Deus.
d) Conhecimento- seu objeto próprio não é o ente sensível (dou­trina tomista), mas o ser inteligível em si (o en­te unívoco, que para S. TOMÁS era análogo).
e) “Haecceitas”- ao defender o primado do individual mas recu­sar a distinção real tomista entre essência e ato de ser, propõe a “estidade” como fundamento da distinção real de cada ente (cada ser não seria de­terminação do universal, mas seria um univer­sal concreto).
f) Ética- “Ens et Bonum non convertuntur”: O Bem é aquilo que Deus quer e impõe. Salvo os 2 primeiros mandamentos referentes a Deus, os outros poderiam ser diferentes, pois Deus poderia criar um mundo diferente do que criou. A única lei a que Deus se sujeita é a da não-contradição (o que pretendeu demonstrar é que Deus não quer as coi­sas por serem boas, mas que elas são boas porque Deus as quer).

6.2 GUILHERME DE OCKHAM (1280-1349)

Pai do nominalis­mo, foi monge franciscano que defendeu o retor­no ao rigor de po­breza da ordem. Estudou e lecio­nou em Oxford, tendo várias teses suas condenadas como heréticas pe­lo papa JOAO XXII. Autor da “Summa Logicae”. Como nunca foi promovido a “magister” na Univer­sidade, ficou co­nhecido como Inceptor Venerabilis”  (grau abaixo de doutor).
a) Razão e Fé- separação total entre ambas, pois a razão não es­taria em condições de oferecer qualquer suporte à fé revelada (cai no fideísmo). Buscou defender a fé demolindo a metafísica, o que o fez cair num “supersobrenaturalismo”.
b) Os Universais- são apenas nomes para designarem coisas se­melhantes; o que existem são as coisas indivi­duais.
c)Ciência Experimental- o objeto do conhecimento são as coisas individuais, captadas pela experiência sensível (distingue conhecimento intui­tivo, das realidades existentes, do co­nhecimento abstrativo, que abstrai da existência das coisas). A ciência fica re­duzida à experiência e à fenomenolo­gia, pois negam-se as causas e as leis universais.
d) Metafísica- ataca-a ferrenhamente, mediante o princípio do “En­tia non sunt multiplicanda praeter necessitatem” (Os en­tes não devem ser multiplicados sem necessidade): tal principio passou a ser conhecido como a “Nava­lha de Ockham”. Nega todas as distinções que con­sidera desnecessárias: ato e potência, matéria e for­ma, substância e acidentes, causa eficiente e causa final, essência e existência, intelecto agente e inte­lecto possível. Reduz, assim, a filosofia à lógica.
e) Lógica - busca dar-lhe um estatuto autônomo e mais rigoroso, separando-a da realidade: os termos ou nomes seriam puros símbolos que substituem as coisas reais (termos categoremáticos), permitindo que se estabeleçam de­monstrações precisas, dada a separação entre plano real e plano conceitual.
f) Deus - ataca as vias tomístas de demonstração da existência de Deus como não convincentes, e estabelece a sua: fala da causa eficiente (Deus Criador) como causa conservante do ser das coisas, que permanecem existindo sem se cau­sarem a si mesmas. Em vez do “intelligo ut credam” e do “credo ut intelligam”, propõe o “credo eI intelligo”, como planos e realidades distintas.
s coisas não são proibidas por serem más, mas são más por Deus arbitrariamente não as querer (poderia ser me­ritório odiar a Deus, se Ele assim o dispusesse).
g)Ética- como o mundo é criado pela absoluta liberdade divina, as coisa não são proibidas por serem más, mas são más por Deus arbitrariamente nãs as querer (poderia ser meritório odiar a Deus, se Ele assim o dispusesse).
h) Política - Colocou-se sob a proteção do Imperador LUDWIG sustentando a falibidade Papal e a necessidade da separação entre o poder espiritual e o poder temporal (Papado e Império).

6.3 MARCÍLIO DE PÁDUA (1275-1342)

Reitor da Universida­de de Paris e autor da obra “Defensor Pacís”, foi excomungado pe­lo papa JOAO XXII.
* Sustentou a tese da soberania popular (o poder deriva imediata­mente do povo, também em relação ao papado) e do Estado de Di­reito (governo das leis e não das pessoas). Olvidou que os prin­cípios democráticos aplicáveis às sociedades políticas não se ade­quam perfeitamente à Igreja, cuja constituição é hierárquica e ca­rismática, de instituição divina e não humana (pretendeu que ca­beria à autoridade civil designar os candidatos ao sacerdócio e con­trolar a atividade espiritual).





6.4 JOAO ECKHART (1260-1327)

Provincial dominicano da Sa­xônia, busca a justificação da fé pela experiência mística (u­nião permanente com Deus). Teve várias de suas teses, de­senvolvidas em seus “Sermões”, condenadas por JOÃO XXII.
a) Deus- existe porque conhece (o conhecer é fundamento de seu ser). Deus não é ser, mas estaria acima do ser (o ser se­ria uma coisa críável).
b) Homem- possui uma alma com duas faces: a razão inferior, vol­tada para o mundo e para o corpo; e a razão superior, centelha da alma voltada diretamente para Deus e que deve retomar a Deus, renunciando à própria vontade e despojando-se de todas as coisas criadas.

6.5 NI­COLAU D’AUTRECOURT


Mestre secular, que só admite o que é redutível à identidade, por força do principio de contradição. Mais radical, porém, chega a um nominalismo tão coe­rente que reduz todas as afirmações ao mesmo valor e che­ga a um fenomenismo geral, conforme o qual tudo o que aparece é igualmente provável, de modo que quem sonha estar combatendo os sarracenos ou ser um cardeal está realmente combatendo e é de fato cardeal. Era uma dou­trina bem cômoda, pois facilitava a realização das aspira­ções daquele tempo: qualquer um podia contentar-se com suas imaginações, já que muito poucos atingiam a invejá­vel posição de cardeal.
Assim, o occamismo prevalece vitoriosamente logo após a morte de Occam, malgrado as repetidas condena­ções e proibições de ensinar a “doctrina Okamica”. Sobre­tudo em Paris procurava-se fazer ver essa corrente corno antipática por ser de origem inglesa. Mas, em vão, O no­minalismo perdurará e Lutero, p. ex., se formará nessa es­cola.
Ao lado dos occamistas, aparecerão as escoras tomis­ta, escotista, albertinista, além dos místicos. Não haven­do interesse, num apanhado tão geral quanto o nosso, em estudar nomes secundários, veremos logo a seguir os pri­meiros progressos das ciências.

6.6 OS CIENTISTAS


Entre os filósofos do séc. XIV há alguns cujas teorias físicas se tornaram conhecidas graças aos estudos do grande historiador das ciências, Pierre Duhem.
Arruinada pelo occamismo a metafísica aristotélica, libertam-se alguns pensadores também da física tradicio­nal, Os que no séc. XIII eram os moderni, a saber, os aris­totélicos (e Occam ainda os chama assim), tornam-se em breve representantes da via antiqua, e os modernos serão os occamistas e os que, de fato, já se aproximam dos mo­dernos segundo nossa apreciação atual.
O primeiro grande nome da nova orientação científica é JOÃO BURIDAN (sem datas conhecidas), que foi reitor em Paris. Ficou vulgarmente conhecido pela célebre teoria de que um asno entre dois excitantes iguais, com uma atra­ção uniforme dos dois lados, deixar-se-ia morrer de fome, impossibilitado de escolher (o famigerado ‘asno de Buri­dan”; na realidade só se encontra escrito o exemplo de um cachorro entre a comida e a bebida). Mais importante, porém, foi sua teoria do movimento, contrário à de Aris­tóteles, o qual explica a deslocação de um corpo por uma contínua ação propulsora vinda do exterior. Buridan recor­re à idéia de um inipetus comunicado ao corpo. Essa idéia já aparecera entre os escolásticos do séc. XIII, em Pedro de João Ouvi, o qual falava de um impulsus que efetuava o movimento mesmo desligado do projetor, e por volta de 1320 em Francisco de Márcia, ao ensinar que impettus se situava no corpo movido. Buridan, porém, será o primei­ro a recorrer à experiência para provar essa teoria, esten­dendo-a ainda ao movimento dos astros, com o que caia por terra a hipótese aristotélica das inteligências moto­ras. Conforme Duhem, a física de Buridan constitui um dos mais grandiosos monumentos da ciência medieval.

6.6.1 NICOLAU ORESME (+ em 1382)

Mestre Teologia em Paris e bispo de Lisieux. Escreveu em latim m francês. Além da doutrina do impetus, salientou-se afirmação do movimento diurno da terra e da possi­ade de outros sistemas planetários. Duhem procla­ma-o como o verdadeiro inventor da geometria analítica, estudiosos mais recentes demonstram que, conquato t­enha recorrido a representações de tipo geométrico, não atingiu a legítima analítica. Em todo caso, antecipou-se (ele que é também precursor de Copérnico na mecânica ­celeste) três séculos a Galileu ao descobrir a fórmula espaço percorrido pelo corpo na queda em movimento uniformemente acelerado.

6.6.2 ALBERTO DA SAXÔNIA (1316-1390)

Reitor em Paris e primeiro a diri­gir a Universidade de Viena, mais tarde bispo de Halberstadt, continua na mesma linha, embora não aceite o movi­mento diurno da terra, mas só pequenos deslocamentos do seu centro. Há ainda outros nomes menos importantes. que formam, entretanto, através dos dois séculos seguintes o elo entre a física parisiense e os inauguradores modemos da ciência matematizada.
Um vulto interessante, contudo, é o de PEDRO DE AILLY (1350-1420), “águia de França”, chanceler da Universidade de Paris, bispo e cardeal, situando-se na passagem dos sé­culos XIV e XV e servindo ao mesmo tempo de transição para os místicos quatrocentistas. Sua lmago Mundi influiu em Colombo (54) e Américo Vespucci. Retoma na filoso­fia as opiniões de João de Mirecourt, escrevendo como um cartesiano avant Ia lettre. Afirma o valor da ciência e sobretudo da matemática. Aliás, cabe aqui lembrar o no­me de um precursor, que tem semelhança com este, por sua atitude científica e mística: Teodorico (ou Dietrich) de Freiberg (Vriberg). dominicano do séc. XIII, cuja explicação do arco-íris é cientificamente exata, problema com que se ocuparam ainda Descartes e Spinoza.

Outubro / 2004
Prof. Dr. Nivaldo Alves de Souza



Nenhum comentário: