quinta-feira, 16 de julho de 2009

A PROBLEMÁTICA NA CONCEPÇÃO DO REAL E O IDEAL

O mundo está em constante transformação. Isso vem afetar diretamente os valores da vida humana no tocante às questões do ideal e do real. Percebe-se que aquilo que é imaginário vem a ser mais valorizado quando os aspectos reais da vida estão em crise como, por exemplo, as pinturas que retratam a natureza quando a mesma está em ameaça de destruição. O que desagrada na vida real é realçado na fantasia, o que é negativo na realidade será positivo na imagem projetada pela fantasia.
Percebe-se a influência que Dewey recebeu de Hegel no tocante à dialética quando afirma que onde há mudança há instabilidade e esta é a prova de que algo importante ocorre, seja ela uma deficiência ou imperfeição. Uma determinada teoria é formulada e após seu uso passa por critérios de avaliação que vão analisar minuciosamente suas estruturas. Havendo algum defeito ela será refutada, pois se for encontrada alguma imperfeição para o momento atual, essa teoria passará por um processo de revisão para então surgir uma síntese do que era anteriormente, valendo-se ou não para as atuais circunstâncias, dependendo do poder de infiltração na sociedade que ela possuir.
Sendo assim, para Dewey toda mudança consiste numa alteração que resultará em outro ser e isso se dá pelo fato de o mundo ser transitório.

Onde quer que haja mudança, há necessariamente pluralidade numérica, multiplicidade, e é da variedade que resulta oposição, disputa, porfia. Mudança é alteração, é movimento que termina num outro ser, e isto significa diversidade. Diversidade quer dizer divisão e divisão significa dois lados e seu conflito. O mundo que é transitório há de ser um mundo de discórdias, pois carecendo de estabilidade, carece de governo de unidade. Estivesse a unidade a gozar completamente, estes lados permaneceriam uma totalidade imutável (DEWEY, 1958, p. 118).

Dewey aponta que o conhecimento superior é o conhecimento de cunho contemplativo, pois este quando puro em sua essência é observação pura, sendo completo em si mesmo não procurando outra coisa a não ser a si mesmo e encontra em si mesmo a justificação de seu ser. “O conhecimento contemplativo puro é tanto verdadeiramente a mais auto-suficiente e em si mesmo enclausurada coisa do universo, que é a mais elevada e de fato o único atributo que pode ser atribuído a Deus, o mais Elevado Ser na escala dos Seres” (DEWEY, 1958, p. 119). Esse conhecimento quando confrontado com o conhecimento dos artífices é considerado baixo pelo fato de o conhecimento desses serem apenas o de causar mudanças na matéria, que é deficiente em seu ser.
Partindo do pressuposto de que onde há a necessidade e o desejo há a imperfeição e insuficiência, a filosofia é considerada como um conhecimento superior, pois como último e mais elevado limite da contemplação é enclausurada em si mesma. Ela “não procura nada além de si mesma, não tem nenhuma aspiração, propósito ou função – exceto de ser filosofia – isto é, contemplação pura e auto-suficiente da realidade última” (DEWEY, 1958, p. 120). Sendo assim, o conhecimento dos artífices é sempre considerado baixo, pois não leva o sujeito a transcender a obra produzida. Para Dewey, mesmo nos conhecimentos de nível baixo[1] é possível haver o aprendizado, sendo que onde há aprendizado há mudança e transformação[2]. Mas mesmo assim deve-se almejar o conhecimento das coisas superiores, tendo em vista que o espírito busca identificar-se com aquilo que é conhecedor e o fim do homem é conhecer o Verdadeiro Ser, que é puro Espírito Imaterial.
Dewey aponta que, apesar de o conhecimento contemplativo ser o conhecimento supremo, não se pode ficar tão somente preso a ele, pois há a necessidade da ação. Haverá de se concentrar alguma energia para que se possa aplicá-la ao desconhecido, evidenciando assim seu modo de agir. O objeto em questão deve ser colocado sob condições diferentes das comuns e submetê-lo a novas influências com a finalidade de se promover alguma mudança que seja perceptível. Para qualquer desenvolvimento e trabalho torna-se necessário “observar, anotar e finalmente interessar-se pelas coisas em si, reverenciar as suas propriedades e qualidade como coisas independentes” (DEWEY, 1958, p. 123). Todos estes aspectos revelam mudança geral na atitude humana – fator este que torna necessária a reconstrução filosófica.
Grande parte das mudanças se davam em virtude de um mal funcionamento de normas, fazendo com que o método utilizado fosse o da tentativa e erro[3]. Por isso que onde há a imperfeição e a insuficiência torna-se necessária uma mudança. A mudança passou a ter outro caráter após a natureza estar submetida às necessidades humanas e este possuir o poder de manipulá-la. A mudança está agora associada “com o progresso, não mais com quedas e erros. Desde que as mudanças são coisas que estão sempre acontecendo (...), o nosso grande feito será o de estudá-las e aprender o máximo sobre elas de modo a nos tornarmos capazes de controlá-las e fazer com que elas colaborem na consecução de nossos desejos” (DEWEY, 1958, p. 125).
Com esses novos meios de conceber a realidade percebe-se a crise do ideal com o real: o conhecimento deixa de ser contemplativo e passa a ser prático. Intelectuais que ainda guardam a concepção de uma razão auto-suficiente que não necessite de contemplação estão a defender uma espécie de filosofia tradicional do conhecimento auto-suficiente.
Sendo que o conhecimento agora passa a ter maior valor quando assume a ordem prática e não mais a contemplativa, a filosofia que era considerada o conhecimento superior precisa alterar sua natureza para se tornar prática, ativa e experimental para não ser refutada por outras ciências. Pode até parecer que a filosofia perde sua função ou entra em extinção, mas sua função será a de racionalizar as possibilidades das experiências coletivas da humanidade – e isso garante utilidade.

Quando o uso ou emprego do conhecimento deixou de ser dialético e se tornou experimental, tornando-se compenetrados de que a ação de conhecer implica na mudança, e que o conhecimento é revelado na habilidade de produzir determinadas mudanças. Conhecimento, para as ciências experimentais, significa certo procedimento, execução, ou melhor diríamos, certo modo de fazer inteligentemente conduzido; aqui, o conhecimento cessa de ser contemplativo e se torna num sentido real, prático. (DEWEY, 1958, p. 129).

Essa mudança se deu pelo fato de que a divisão do mundo: um que concebia um Ser Superior e imutável[4] sendo acessível apenas por natureza apenas da razão e ao ideal; e outro, o mundo material, inferior é acessível as sentidos. Aqui surge o contraste em o conhecimento contemplativo que entra em crise (ideal), e o conhecimento empírico (real) que desabrocha com todo vigor. Ocorre assim a inversão de valores sendo útil aquilo que é prático e útil[5].
Essa transformação resultou na mudança das concepções de real e ideal, sendo que:

O real deixa de ser alguma coisa com existência antecipada e final para tornar-se aquilo que tem de ser aceito como o material da mudança, como obstruções e meios de certas e especiais mudanças desejadas. O ideal e o racional, igualmente, deixam de ser um mundo separado e de feitura antecipada, incapaz de ser usado como alavanca para transformar o mundo empírico real, deixam de ser mero asilo das deficiências empíricas; passam a representar possibilidades inteligentemente engendradas do mundo real, que poderão ser usadas como métodos para modificar e aperfeiçoar esse mesmo mundo (DEWEY, 1958, p. 130).

Com isso percebe-se que houve uma mudança radical na concepção de conhecimento. A mudança do conhecimento contemplativo para o ativo é o inevitável resultado do modo como as pesquisas e descobertas são realizadas. Ao fazer esta reivindicação se está afirmando que a mudança até aqui tem influenciado somente o lado técnico da vida humana. É notável que o ser humano é possuidor de certo domínio das forças naturais e que também criou novas artes industriais. O que os antigos consideravam como sobrenatural agora é explicado através de leis, e que esse objeto ou fenômeno considerado não passa de um fenômeno da natureza.
Dewey fala da necessidade de conciliação entre as ciências práticas e a apreciação estética contemplativa para que o ser humano se torne mais humanizado. Ao excluir as ciências práticas o ser humano estaria sendo um joguete e ao mesmo tempo vítima das forças naturais, sendo incapaz de possuir a capacidade de manipulação que nos dias atuais possui. Sem a apreciação estética contemplativa os seres humanos tornar-se-ão uma tribo de monstros que também incapazes de admirar a estética[6] que está a sua volta. Seu interesse estará voltado para o poder econômico, sempre tirando vantagens da natureza.
Na prática percebeu-se que a guerra mundial foi movida por fins ideais e reais. Os fins ideais consistiram na luta por justiça e pela igualdade social. Seus meios reais são de caráter científico: “ela foi feita por altos explosivos, aviões de bombardeio e por mecanismos maravilhosos de bloqueio, enfim, por meios que reduziram o mundo a quase ruínas” (DEWEY, 1958, p. 135). Os males pelos quais a humanidade passou e ainda passa por alguns deles, como a fome e a guerra, não são em virtude da ausência de ideais, mas de ideais que são erroneamente projetados.
Com isso percebe-se que a filosofia está aí para auxiliar na resolução dos problemas de cunho ideal e real, tendo ciência de que ela não irá sanar o problema dessa relação, mas poderá aliviar o fardo fazendo com que se caminhe com maior segurança em relação ao tornar evidente que “uma inteligência integral e compassiva, voltada à observação e compreensão das forças e acontecimentos sociais, poderá formar ideais, isto é, aspirações, que não sejam ilusões ou simples compensações emotivas” (DEWEY, 1958, p. 137). Eis o grande desafio da reconstrução.
[1] São considerados os conhecimentos de nível baixo o trabalho manufaturado produzido por artesãos e as artes em geral.
[2] Aqui novamente são mencionadas as idéias de Bacon no tocante de que conhecimento é poder e este possui a capacidade de transformar o mundo.
[3] Serão apontados maiores detalhes sobre este método utilizado pelos antigos no terceiro capítulo.
[4] Influência esta recebida de Aristóteles (384 – 322 a.C. – filósofo mais influente na tradição filosófica ocidental e defensor do conhecimento do mundo plural e variado) cuja concepção de Ser Absoluto é a de um Motor Imóvel que tudo move, mas não pode ser movido.
[5] Ver capítulo I onde se trata da questão do pragmatismo.
[6] Estética no sentido de apreciação pelo gosto, o belo e a arte.

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