quinta-feira, 16 de julho de 2009

o que é pragmatismo?

1 O QUE É O PRAGMATISMO

O pragmatismo vem a ser uma corrente filosófica que surgiu nos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX. Encontra-se o significado da palavra pragmatismo na linguagem grega, tendo como definição a palavra “prágma, que significa ação, do qual vêm as palavras ‘prática’ e ‘prático’” (JAMES, 1974, p. 10). Pode-se também mencionar o termo inglês pragmatism que possui o significado de natureza prática.
Peirce[1] explana a máxima pragmática da seguinte maneira: “Considere que quais efeitos, que concebivelmente poderiam ter conseqüências práticas, concebemos ter o objeto de nossa concepção. Então, a concepção desses efeitos é o todo de nossa concepção do objeto.” (PEIRCE, apud SANTOS, 2000, p. 28-29). Descartes[2] afirma que se deve ter idéias claras e distintas. Pode surgir o seguinte questionamento: como se obtém uma idéia clara e como diferenciá-la de uma que é obscura? Um modo possível é considerar o conteúdo de uma idéia ou conceito como a soma de todas as suas conseqüências práticas concebíveis. A conseqüência prática permite distinguir uma pura divagação de um conteúdo inteligível. Sendo assim, definir um conceito é expor com minúcias as suas conseqüências práticas. Assim a idéia fica definitivamente clara. Qualquer teoria científica ou qualquer coisa que se diga, pode ser definida assim. Se não puder, então é uma mera divagação obscura!
Corre-se o risco de distorcer seu real[3] significado, sendo que “... o termo, que faz parte de uma discussão lógica e epistemológica, aparece normalmente vinculado a questões de ordem psicológica ou moral, como o que tem valor é o que é útil” (SANTOS, 2000, p. 27).
Há uma discussão em torno de quem e quando foi utilizado esse termo pela primeira vez. Em determinado momento Peirce lançou três questões acerca do tema a serem respondidas pelo seu colega James[4], argumentando o seguinte:

‘Quem criou o termo pragmatismo, eu ou tu? Onde é que ele apareceu pela primeira vez impresso? O que é que entendes por ele?’ Ao que James respondeu: ‘Tu inventaste o termo ‘pragmatismo’, ao qual eu dei pleno crédito numa conferência intitulada ‘Philosophical Conceptions and Practical results’’ (MURPHY, 1990, p. 47).

Houve uma discussão acerca desses termos em que alguns filósofos afirmavam que este não era o nome ideal para tal corrente de pensamento, sendo que o real significado do termo lógico e epistemológico[5] foi distorcido por William James. Por isso, o pragmatismo também foi denominado de pragmaticismo[6], neo-pragmatismo[7], anti-representacionismo[8], entre outros que não serão abordados neste trabalho em virtude de sua irrelevância a este trabalho.
No tocante à definição dos termos acima mencionados não será tratado com detalhes, mas sim serão feitas apenas breves explanações. Peirce, percebendo que o significado daquilo que chamava de pragmatismo foi alterado por James e por não concordar com suas idéias a respeito de seu pragmatismo, resolveu chamá-lo, a partir de 1905, de pragmaticismo para diferenciar da doutrina de James. O mesmo, percebendo que “seu ‘pragmatismo’ (...) adquirira então uma significação muito mais ampla do que sua intenção original, e era ‘hora de dar o beijo de despedida na criança’ e ‘anunciar o nascimento da palavra ‘pragmaticismo’, feia o bastante para ficar a salvo de seqüestradores” (HAACK, 2002, p. 641).
Segundo Pereira, “o pragmaticismo é uma forma de clarear conceitos a partir das suas conseqüências práticas, mas toda a importância e ênfase estão na idéia geral e não nos particulares que indicam essa idéia” (PEREIRA, 2004, p. 27).
Outra variação do termo pragmatismo é a denominação de neo-pragmatismo ou pragmatismo rortyano[9]. Este, diferente do pragmatismo de Peirce, James e Dewey, é eminentemente anti-realista[10]. No pragmatismo clássico a ênfase é dada à experiência, enquanto que no neo-pragmatismo o foco é direcionado, com a mesma intensidade, para a linguagem.
O pragmatismo é denominado por Davidson[11] como anti-representacionismo por este não se tratar das coisas propriamente em si, mas, como afirma Dewey, as informações de que se dispõe atualmente servem de instrumento que fornecem indícios para uma maior aproximação da realidade. Sendo assim, o que os sentidos podem captar não são as coisas em si, mas instrumentos que conduzem os seres humanos à caminhos que os levam a obterem informações mais precisas do objeto em questão. Uma idéia representa algo, mas não o é em si.
Para Davidson “as crenças são verdadeiras ou falsas, mas não representam nada [algo]. É bom vermo-nos livres de representações e, com elas, da teoria da verdade como correspondência, porque é o pensar que há representações que engendra o relativismo.” (MURPHY, 1990, p. 09).
Percebe-se que o significado do termo original formulado por Peirce foi alterado por muitos pensadores, fazendo com que cada um formulasse o seu “pragmatismo”. Ver-se-á ainda que a corrente pragmatista é muito complexa e variada, sendo que:

Em 1908, Arthur O. Lovejoy já classificava nada menos que treze tipos diversos de pragmatismo, que, vez por outra se diferenciavam na teoria do conhecimento, na teoria da verdade, na teoria do significado, na teoria dos valores. Desse modo, a gama de significados do conceito de pragmatismo se estende do ‘pragmatismo lógico’ de Peirce e Vailati até as formas de voluntarismo e vitalismos irracionalistas e incontroláveis. (REALE, 2006, p. 80).

Com isso, percebe-se que a corrente pragmatista elaborada por Peirce e desenvolvida por James é vítima de grande banalização pelo fato de cada pensador tomá-lo como base e, não tendo o pleno conhecimento de suas fontes, distorcer seu significado original.

2.2 O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DA VERDADE NO PRAGMATISMO

Percebe-se que um dos pontos fundamentais do pragmatismo, é sua constante busca por uma teoria que corresponda à verdade. Há divergências entre os modos pelos quais os filósofos concebem uma teoria como verdadeira.
Os principais representantes do pragmatismo americano (Dewey, Peirce e James) afirmam que não se pode conceber uma teoria como eternamente verdadeira, mas sim como provisória. Sendo assim, não se pode afirmar que as coisas são conhecidas de forma absoluta, mas que elas apenas possuem uma metodologia pela qual se pode obter alguns indícios da realidade, ora em maior, ora em menor grau. O que atualmente se concebe como verdade, posteriormente poderá não mais sê-lo. Dewey relata que “sua garantia não é absoluta nem eterna, porque os resultados da pesquisa humana sempre são corrigíveis e aperfeiçoáveis em relação às novas situações em que o homem vem a encontrar-se em sua história” (REALE, 2006, p. 103). Por isso o que alguns filósofos denominam de “conhecimento” não passa de um esclarecimento provisório de determinada parcela da realidade, ou aquilo que é conhecido neste momento. Outro ponto em comum é que “se para que algo seja um objeto de conhecimento (...) ele deve primeiro passar pelo processo de cognição (...), e se o conhecimento visa à verdade, então o método de cognição deve visar à verdade.” (SHOOK, 2002 p. 13). Percebe-se que há uma constante busca pela verdade num processo de reformulação contínua.
O racionalismo[12], concebido como idealismo absoluto[13], afirma que não se pode ter conhecimento de verdades caso siga o pragmatismo, pois este limita o ser humano a conhecer apenas o que tem alguma utilidade prática. O racionalismo caracteriza o pragmatismo como um ceticismo[14], por afirmar que este ignora o que o racionalismo acredita ser a verdadeira natureza da verdade. Ainda afirma que a realidade enquanto tal não pode ser alterada enquanto for simplesmente experienciada ou tornada conhecida. A crítica de Peirce ao idealismo[15] está no fato de que a verdade é concebida como algo conhecido numa investigação explorada ao máximo, sendo essa equivalente ao real.
Qualquer epistemólogo concordaria que o pragmatismo contribuiu para a compreensão de como se obtém o conhecimento, mas negaria que o mesmo tenha influência sobre sua teoria do conhecimento.

A discórdia fundamental entre um pragmatista e o epistemólogo revela-se quando o pragmatista responde que está preocupado com a relação entre o conhecimento e a verdade e se recusa a admitir que qualquer conceito de “verdade” não derivado da teoria do conhecimento humano. Se o epistemólogo replicar que há, de fato, um conceito de verdade segundo o qual “a verdade” existe independentemente de o homem poder conhecê-la, ele estará propondo uma posição metafísica extremamente realista (SHOOK, 2002 p. 15).

É nesse sentido em que se firma a tese de Peirce como um realista[16]. Para Peirce as verdades existem independentes de o ser humano poder conhecê-las e as teorias serão verdadeiras a partir do momento em que representarem um comportamento adequado das coisas, uma regularidade dos fenômenos[17]. O realismo peirceano afirma que aquilo que atualmente se tem como verdade pode não sê-lo, ou seja, que os seres humanos podem estar enganados acerca de algo, mas que, com vastos e rígidos métodos de investigação podem obter uma descrição cada vez mais perfeita da realidade.
O naturalismo[18], aqui caracterizado como negação da realidade dualista (plano psíquico e material), afirma que a mente humana não é portadora de toda realidade e nem a experiência pode dar conta de compreender tudo. O naturalismo pode ser caracterizado como puramente materialista pelo fato de afirmar que existe somente aquilo que é objeto de conhecimento da ciência, negando assim toda construção mental como propunha o idealismo. Já o pragmatismo alega que são vários os caminhos que levam o ser humano à compreensão da realidade, mas não que isso seja parte exclusiva da ciência. “O pragmatismo é uma filosofia que pretende dar conta do aumento da experiência e do conhecimento humanos” (SHOOK, 2002 p. 18).
O pragmatismo também teve forte influência da teoria da evolução de Charles Darwin[19] no tocante ao progresso evolutivo, indo contra o racionalismo e o empirismo clássico[20] que afirmavam que as disposições que os seres humanos possuem para o conhecimento são as mesmas no decorrer de toda história, não havendo assim um progresso. Dewey contrapôs a essa idéia afirmando que “Se o espírito humano, a organização social humana e o corpo humano estão em evolução dinâmica, logicamente a natureza do conhecimento humano deve ser igualmente dinâmica, e progredir na mesma proporção” (SHOOK, 2002 p. 22-23). Como se vê, Dewey rejeita assim todo e qualquer tipo de doutrina que afirmasse as idéias fixas.
Esta influência Dewey recebeu de Darwin ao considerar que as idéias estão em constante processo de mutação para que possa haver uma melhor adaptação à realidade. Sendo assim, o ser humano é um ser que modifica o meio no qual está situado para que possa lograr de maior êxito nos problemas que venham a enfrentar para que, em última análise, mantenha sua existência.
[1] Charles Sanders Peirce (1839 – 1914) é o maior representante do pragmatismo lógico. Forneceu contributos que ainda são de grande atualidade para lógica, a semiótica e a filosofia da ciência.
[2] René Descartes (1596 – 1650), matemático francês, é considerado o pai da filosofia moderna. Ficou mundialmente conhecido por seu método (cartesiano) em que o ponto de partida para o conhecimento é a dúvida metódica: Cogito ergo sum, que quer dizer: penso, logo existo. Ele afirma que só não se pode duvidar que se esteja duvidando, pois o pensar implica em existência.
[3] Denomina-se aqui de pragmatismo real aquele que é formulado por James. Pode também aparecer como pragmatismo original.
[4] William James (1842 – 1910) representa a versão psicológica, moral e religiosa do pragmatismo e não a de ordem epistemológica ou lógica. Foi ele um dos responsáveis pela distorção do termo pragmatismo fazendo com que Peirce tivesse que mudar o nome original.
[5] Epistemológico vem a referir-se à epistemologia (palavra proveniente da linguagem grega epistêmê que significa conhecimento).
[6] Termo adotado sem sucesso por Peirce para referir-se ao pragmatismo usado para distinguir-se da versão de James e de outros contemporâneos seus.
[7] Uma das várias distorções do pragmatismo peirceano. Esse termo foi usado por Richard Rorty.
[8] Assim como no caso anterior esse termo consiste em uma banalização do termo original formulado por Peirce. Nesse caso a banalização do termo original deve-se a Donald Davidson.
[9] O termo “rortyano” deve-se à Richard Rorty (1931 - ) Filósofo norte americano de cunho analítico e crítico das categorias tradicionais de conhecimento.
[10] Negação de todo e qualquer tipo de realismo.
[11] Donald Herbert Davidson (1917 - ), filósofo americano que forneceu grandes contributos à filosofia da mente.
[12] Corrente filosófica que enfatiza o papel da razão afirmando que esta por si só garante a aquisição e justificação do conhecimento sem auxílio de outrem.
[13] “Versão do idealismo na qual o mundo se identifica com o pensamento objetivo ou absoluto, e não com o fluxo pessoal da experiência (...)” (BLACKBURN, 1997, p. 191).
[14] Vem a ser uma “negação de que o conhecimento ou sequer a crença racional sejam possíveis, quer quanto a um assunto específico (...) quer quanto a todos os assuntos” (BLACKBURN, 1997, p. 58).
[15] “Qualquer doutrina que sustente que a natureza da realidade é fundamentalmente mental.” (BLACKBURN, 1997, p. 190).
[16] Afirmação da existência de um mundo e/ou determinado tipo de coisas que sejam reais.
[17] A esta regularidade dos fatos de modo que estes venham a tornar-se hábitos de ação, Peirce a chama de terceiridade.
[18] “Simpatia pela perspectiva segundo a qual em última análise nada resiste às explicações obtidas através dos métodos característicos das ciências naturais” (BLACKBURN, 1997, p. 261).
[19] Charles Robert Darwin (1809 – 1882), naturalista britânico que ficou mundialmente conhecido por causa de suas teorias da evolução. Suas teorias influenciaram fortemente a pessoa de Dewey e nos dias atuais ainda repercutem o mundo todo. Tratar-se-á com maior afinco a teoria da evolução no terceiro capítulo deste trabalho.
[20] “Orientação filosófica persistente que procura ligar o conhecimento à experiência.” (BLACKBURN, 1997, p. 115).

Nenhum comentário: